Servicios
Servicios
Buscar
Idiomas
P. Completa
Saberes para ensinar e saberes a ensinar: duas figuras contrastantes da Educação Nova: Claparède e Vygotsky[1]
Rita Hofstetter; Bernard Schneuwly
Rita Hofstetter; Bernard Schneuwly
Saberes para ensinar e saberes a ensinar: duas figuras contrastantes da Educação Nova: Claparède e Vygotsky[1]
Conhecimento para ensinar e conhecimento para ensinar: duas figuras contrastantes da Nova Educação: Claparède e Vygotsky
Revista de História da Educação Matemática, vol. 6, núm. 3, 2020
Sociedade Brasileira de História da Matemática
resúmenes
secciones
referencias
imágenes

Resumo: O debate sobre os saberes na Educação Nova é geralmente dominado por duas posições anglo-saxônicas opostas, mantidas por Dewey e Thorndike. Este artigo apresenta outra linha de divisão. Claparède e Vygotsky, duas figuras europeias representativas da Educação Nova, ambos cientistas que constroem uma teoria do funcionamento psicológico e estão fortemente envolvidos em reformas escolares. Suas concepções de saberes em educação são, no entanto, contrastadas. Demonstraremos isso analisando vosso trabalho sob três pontos de vista: a relação entre educação e desenvolvimento; a natureza dos saberes a ensinar; e o tipo de saberes necessários para a formação de professores. Para Claparède, a educação segue o desenvolvimento natural; o saber a ensinar deve ser útil e vinculado à vida cotidiana; saber para o professor é essencialmente saber sobre a criança. Para Vygotsky, a educação precede o desenvolvimento, saber a ensinar é sistemático, diferente do saber do cotidiano, transformando este relacionamento em seus próprios processos psíquicos; saber para os professores é saber a ensinar e sobre o ensino. A abordagem de Claparède pode ser descrita como negação abstrata da escola tradicional; ele quer uma revolução Copernicana, uma escola completamente diferente, ligada à vida cotidiana. A abordagem de Vygotsky pode ser caracterizada como negação determinada; ele quer desenvolver a escola tradicional, mantendo e transformando o conhecimento organizado sistematicamente em disciplinas formais.

Palavras-chave: Vygotsky, Claparède, Educação Nova, saberes, formação de professores, educação e desenvolvimento,Vygotsky, Claparède, New Education, knowledge, teacher education, education and development.

Resumo: The debate on knowledge in New Education is generally dominated by two opposed Anglo-Saxon positions held by Dewey and Thorndike. This paper presents another line of division. Claparède and Vygotsky, two representative European figures of New Education are both scientists constructing a theory of psychological functioning, and heavily engaged in school reforms. Their conceptions of knowledge in education are nonetheless contrasted. We demonstrate it in analyzing their work from three points of view: the relationship between education and development; the nature of knowledge to teach; and the kind of knowledge necessary for teacher education. For Claparède, education follows natural development; knowledge to teach has to be useful and linked to everyday life; knowledge for the teacher is essentially knowledge on the child. For Vygotsky, education precedes development; knowledge to teach is systematic, different from everyday knowledge, transforming the relationship to its own psychic processes; knowledge for teachers is knowledge to teach and about teaching. Claparède’s approach can be described as abstract negation of the traditional school; he wants a Copernican revolution, a completely different school linked to everyday life. Vygotsky’s approach can be characterized as determined negation; he wants to build on the traditional school, maintaining and transforming knowledge organized systematically in formal disciplines.

Palavras-chave: Vygotsky, Claparède, Educação Nova, saberes, formação de professores, educação e desenvolvimento, Vygotsky, Claparède, New Education, knowledge, teacher education, education and development.

Carátula del artículo

TRADUÇÕES

Saberes para ensinar e saberes a ensinar: duas figuras contrastantes da Educação Nova: Claparède e Vygotsky[1]

Conhecimento para ensinar e conhecimento para ensinar: duas figuras contrastantes da Nova Educação: Claparède e Vygotsky

Rita Hofstetter
Universidade de Genebra, Suiza
Bernard Schneuwly
Universidade de Genebra, Suiza
Revista de História da Educação Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática, Brasil
ISSN-e: 2447-6447
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 6, núm. 3, 2020

Recepção: 21 Dezembro 2020

Aprovação: 21 Dezembro 2020


Autor correspondente: Rita.Hofstetter@pse.unige.ch

“Educação Nova”, esse amplo movimento de reforma educacional que surgiu no final do século XIX e atingiu o pico na década de 1920 (Hofstetter & Schneuwly, 2006), estava longe de ser uniforme, seja na sua posição sobre os saberes[4] a ensinar e para ensinar, ou no perfil ou mesmo as afiliações sociais e institucionais de seus protagonistas: professores, pesquisadores, administradores, fundadores de escolas, etc. Nesta contribuição, exploramos a relação entre a educação nova e “saberes”, perguntando qual o papel que os produtores de saberes deram aos saberes nas reformas educacionais das primeiras décadas do século XX. Inspirando-nos em Foucault,[5] “saberes (savoir)” significará, neste texto, a série de declarações ou procedimentos sistematicamente produzidos, incorporados em práticas circunscritas, discursivas, socialmente constituídas e aceitas. Em outras palavras, nos referimos aqui ao que alguns chama de “saberes objetivados”, em oposição aos “saberes escondidos (detidos)” (Barbier, 1996). A objetivação ocorre em práticas discursivas que podem levar a forma de disciplinas científicas no sistema de ciências e disciplinas escolares no sistema escolar.

A questão que acabamos de colocar não pôde ser respondida adequadamente, dentro dos limites deste artigo, apresentando e analisando as principais posições contrastantes no campo. Em vez disso, temos que encontrar os paradigmas prototípicos que de alguma forma delimitam o campo do possível, dentro do qual é claro, muitas variações podem ser previstas. Na literatura, dois paradigmas têm sido analisados profusamente, provavelmente porque aparecem marcadamente para determinar o debate Anglo-saxão: as posições adotadas por Throndike, por um lado, e de Dewey, por outro, representam o que Labaree chama de versões administrativas e pedagógicas respectivamente da educação progressista, e que são diametralmente opostas em suas concepções de saberes para ensinar e a ensinar (Labaree, 2005). Apesar destes paradigmas e posições opostas terem tido uma influência duradoura além de seu contexto original, eles não são realmente eficazes para descrever a estrutura das posições na Europa continental. Delinearemos essa estrutura como aparece na relevante histórica e teórica literatura. Primeiro se materializou como um sistema construído e afirmou oposição entre, por um lado, as teorias pedagógicas dominantes no final do século XIX, Herbartianismo em particular e, por outro, os princípios de uma nova educação que emergiu da negação da posição clássica, muito além das diferenças reais (Coriand e Winkler, 1998). Ambas posições continuaram a se desenvolver em formas variadas, a educação nova por sua vez, definindo-se em um espaço que construiu como diferente, como “novo”. A maioria das pesquisas no campo da educação veio espontaneamente a este campo, definido em oposição à “velha escola” e às “velhas teorias”, as vezes criticadas e atacadas por: Meumann, Claparède, Decroly para mencionar os mais importantes. Existem poucos autores influentes nesse campo que não fundamentaram suas teorias nessa demonização do passado ou que pelo menos reconheceram a pertinência de alguns postulados da velha escola. Lay, focando suas pesquisas no ato de ensinar, parece ter assumido tal posição “entre a velha e a nova pedagogia” (Depaepe, 1993) na Alemanha, pode-se dizer que Adams o fez na Inglaterra (veja também Aldrich); e na Rússia, no debate pedológico dominado por Blonski e Vygotsky, este último adotou um ponto de vista semelhante, sem dúvida o mais desenvolvido e penetrante (Fradkin, 1990). Aqui nos propomos a examinar em profundidade este último contraste teórico no contexto da Europa continental. Para isso, nós escolhemos comparar as posições adotadas por duas figuras simbólicas da nova ciência infantil: Edouard Claparède (1873-1940), por razões pragmáticas de acesso às fontes e saberes do contexto social; e Lev Sémionovitch Vygotsky (1896 – 1934), pelas razões teóricas já mencionadas.[6] Eles compartilham inúmeras características, entre as quais o compromisso como cientistas com a nova ciência infantil e sua profunda convicção de que a reforma educacional baseada nessa nova ciência era vital. A primeira parte mostra esses pontos comuns, baseando-se principalmente no trabalho biográfico detalhado disponível para nós.[7]

Para esclarecer o papel que eles atribuem aos saberes (aqui entendido genericamente) em uma reforma educacional, temos à disposição tudo o que Claparède[8] publicou e uma parte substancial dos escritos de Vygotsky[9] nas obras escolhidas e em muitas outras agora disponíveis em russo e ouras línguas. Examinamos seus trabalhos tendo em mente três questões em torno das quais a segunda e a terceira partes dessa contribuição, devotadas a Claparède e Vygotsky, respectivamente, estão estruturadas:

  1. Qual é a relação entre desenvolvimento e educação? Essa questão mais geral nos permite delinear a base teórica para entender o papel que cada um atribui ao saber no desenvolvimento da criança.

  2. O que é saber a ensinar? Ou: como esses dois produtores de saberes educacionais abordam, a partir de suas ciências, o papel do saber a ensinar e aprender na escola?

  3. Que saber é necessário para ensinar? Ou: como eles veem a formação de professores e qual o papel dos saberes (científicos) nessa formação?

A quarta seção ilustra simbolicamente a diferença entre os dois protagonistas em sua relação com a tradição Rousseauista da educação. A conclusão oferece uma explicação das diferenças e vincula a presente análise a outras pessoas que examinam um par comparável de protagonistas, neste caso Dewey e Vygotsky, a fim de abrir novas linhas de pesquisas possíveis.

Dois cientistas comprometidos com a reforma escolar com base no saber científico

Ambos Claparède e Vygotsky foram os primeiros e mais importantes pesquisadores que trabalharam em redes e instituições científicas. No início de seu trabalho científico, ambos adotaram uma postura como psicólogos: um por uma magistral crítica ao associacionismo, considerado como pioneiro na Europa, juntamente com Binet e Marbe (Claparède, 1903);[10] o outro por uma igualmente e magistral crítica – certamente 20 anos depois – à psicologia por meio de uma análise da crise que estava passando.[11] E ambos, em suas tentativas de reformular a psicologia, consideraram a dimensão aplicada da psicologia como força motriz essencial para o desenvolvimento da disciplina. Além disso, ambos foram levados a transcender uma visão limitada dessa aplicação para teorizar a relação entre abordagens científicas e educação. Ambos tentaram definir novas áreas de pesquisa ou disciplinas emergentes, em uma relação complexa com a psicologia: pedologia e ciências infantis, depois pedagogia experimental, “médico-pedagogia” no caso de um; pedologia e defectologia para o outro. A pedologia, especificamente a ciência (do desenvolvimento) da criança, era para ambos uma área de atenção preferencial. Cada um deles, há 20 anos e milhares de quilômetros de distância, em contextos socioculturais totalmente diferentes, desempenhou um papel importante no desenvolvimento dessa disciplina. Com Meumann, Claparède procurou reunir dois componentes rivais do movimento pedológico na Europa. Em sua concepção da relação entre psicologia infantil e pedagogia, ele atribuiu a essa ciência o papel central do mediador entre a psicologia e as abordagens prescritivas da educação. Mesmo após o desaparecimento do movimento pedológico na Europa Ocidental após a Primeira Guerra Mundial (Depaepe, 1987), Claparède continuou a promover abordagens científicas para a criança e a educação (psicologia e desenvolvimento infantil; pedagogia experimental; e psicologia aplicada à educação por meio de testes psicológicos; etc.), que ele considerava essencial para enfrentar os problemas da educação. Vygotsky, por sua vez, foi um dos principais teóricos do movimento da pedologia na União Soviética, durante seu rápido crescimento com o primeiro Congresso de Pedologia em 1928, quando Krupskaya, membro do influente Comitê do Comissariado dos Povos da Educação, atribui um papel essencial a essa disciplina no desenvolvimento de sistemas educacionais (Krupskaya, 1928). Ele publicou uma série de textos na principal revista do campo disciplinar. Como observa Mecacci (Mecacci, 1983), a maioria dos artigos e obras publicados durante a sua vida encontra-se no campo da pedologia (e defectologia), cujo papel e status Vygotsky teorizou argumentando: “A base para estabelecer a pedologia como uma ciência independente é o reconhecimento da realidade objetiva do processo unificado de desenvolvimento infantil que é seu objeto” (Vygotsky, 1931, p. 325), sendo a psicologia infantil um ramo dessa ciência.[12]

O posicionamento teórico de Claparède e Vygotsky no campo da pedologia e da ciência infantil também nasce de uma profunda convicção comum: melhorar as instituições e práticas educacionais, em que a nova ciência infantil teve que ser implantada. Em Um instituto de ciências educacional e as necessidades a que este responde, o que é um apelo impressionante a este final, Claparède diz: “Somente uma base estritamente científica e psicológica dará a pedagogia a autoridade necessária para conquistar a opinião e a força por meio de reformas desejáveis” (Claparède, 1912, p. 19). E “a salvação da pedagogia reside apenas na observação controlada e observação provocada” (Claparède, 1912, p. 27). Dois tipos de experimentos são mencionados: os que “visam controlar um novo método pedagógico ou produzir um sistema especial”; e aqueles “mais psicológicos, que visam ... conhecer a mentalidade da criança”, pelos quais ele se esforça para mostrar que havia uma necessidade urgente. Com Vygotsky, embora considerasse os campos aplicados como a força motriz para o desenvolvimento da psicologia,[13] ele escreveu esse texto não pragmático. No entanto, ele trabalhou incessantemente na construção de um arcabouço teórico e no estabelecimento de procedimentos empíricos que incorporam a educação e, sobretudo, o ensino como conceitos básicos. É o caso de seu trabalho com crianças portadoras de deficiência, no qual ele propõe procedimentos alinhados a uma conceituação da questão do desenvolvimento específico de tais crianças; esse também é o caso de seus pontos de vista sobre o desenvolvimento de conceitos científicos, de imaginação ou até emoções em crianças e adolescentes, onde a questão da educação formal, ou seja, a escola, é uma preocupação central. Portanto, sob diferentes formas, que analisaremos mais detalhadamente quando tratarmos da questão do saber para ensinar (e educar), nossos dois protagonistas dão um lugar central nas abordagens científicas para o desenvolvimento de instituições e práticas educacionais. Ambos tecem laços estreitos entre a universidade como local de pesquisa e ensino e os campos sociais e profissionais da educação. Para isso, criaram redes de colaboradores, pesquisadores, profissionais e estudantes, vinculando dessa forma, pesquisa e prática, e fundaram suas instituições em resposta a esse mesmo objetivo. Em 1912, Claparède criou o Instituto Jean-Jacques Rousseau, que se tornou o “Institut des sciences de l’éducation” (Instituto de Ciências da Educação), "inventando" ao mesmo tempo o nome francês para o campo disciplinar emergente; um instituto que durante os anos 1920 tornou-se um dos principais centros da educação nova na Europa, de fato uma de suas encarnações. Quanto à Vygotsky, ele começou em 1925 montando um laboratório de psicologia para crianças anormais que, em 1929, tornou-se o Instituto de Defectologia Experimental; ele também ajudou a desenvolver o Instituto de Treinamento de Professores da Universidade de Tashkent e treinou professores da A.I. Herzen Institute of Leningard.

Ambos estavam fortemente envolvidos nos movimentos que defendiam reformas escolares e educacionais. Isso é evidente em várias facetas de seu trabalho:

  1. publicações distribuídas em redes científicas e profissionais, palestras e debates em eventos pedagógicos de todos os tipos, o desenvolvimento de novos métodos de ensino; e

  2. a adoção de posições a favor de reformas educacionais que promovessem métodos de ensino que atribuíssem um papel mais ativo aos alunos no processo de aprendizagem; um compromisso motivado pela convicção de que a escola era um instrumento fundamental para o advento e consolidação da democracia ou, em geral, para elevar os direitos humanos e o crescimento da sociedade (Claparède, 1917).

Ambos compartilhavam as ideias mais avançadas dos progressistas do movimento - a fraqueza do compromisso com a democracia por alguns elementos marginais do movimento é bem conhecida - com a qual eles se aliaram no campo da ciência. Assim, os dois protagonistas exibem numerosos pontos de convergência: envolvimento em psicologia; definição de um campo científico separado para pesquisa infantil; desenvolvimento de instituições que fornecem um elo entre pesquisa e prática; envolvimento ativo nos movimentos de reforma escolar e educacional. E o saber desempenha um papel central com ambos. Mas qual papel exatamente?

Claparède: educação funcional – saber como meio de pensamento Os interesses da criança e o saber

A psicologia em que Claparède baseou sua abordagem dos fenômenos educacionais exibe uma série de características importantes que determinam a maneira como ele pensava sobre a relação entre psicologia e educação, por um lado, e as formas que a educação deve assumir, por outro. Construído a partir de uma crítica do associacionismo, é uma psicologia anti-empirista e não mecânica que se recusa a ver as habilidades mentais como produtos de uma combinação de elementos simples. Claparède introduz em sua teoria elementos explicativos, como interesses ou sentimentos que constituem reações gerais do organismo a determinadas condições em um dado momento, úteis para a vida desse organismo. Essa abordagem funcional é biológica, pois as funções são sempre definidas pelas necessidades vitais do organismo; isso também implica que essas funções são constantes, mas podem ser realizadas através de ações que assumem diferentes formas, dependendo das condições de vida ou da mudança de habilidades do organismo.

Claparède transpõe essa teoria funcional da psicologia para o campo da educação (Claparède, 1922), estabelecendo, assim, evocada pelo título de um de seus livros, uma “educação funcional”. Nele, ele define uma série de princípios na raiz de toda intervenção educacional e particularmente escolar - seus textos são essencialmente sobre escolas - o mais importante é o seguinte: “A ação é desencadeada quando é de natureza satisfazer a necessidade ou interesse do momento” (Claparède, 1931/2003, p. 109). O que significa que a necessidade e o interesse devem ser criados antes da instrução ser atendida e que seja necessário começar de onde a criança está e colocá-la no centro dos programas e, acima de tudo, métodos: métodos devem ser criados para “capturar o interesse”, porque, “uma vez que o interesse é capturado, o resto acontece por si só, ou quase acontece” (Claparède, 1925, p. 45). O jogo é o meio preferido para capturar interesse na idade escolar, Claparède advoga, em referência às teorias de Groos: “Não, a criança deve se desenvolver sozinha. Os dois instrumentos que ele instintivamente usa para isso são brincadeira e imitação” (Claparède, 1916, p.430). Porque, em efeito, “infância é para brincar e imitar” (Claparède, 1916, p. 482). Ou para colocar na forma mais abstrata possível: “infância não é um acidente, uma aberração, mas é a melhor forma que o desenvolvimento do ser acontece” (Claparède, 1916, p. 487). Portanto a educação não pode excluir a brincadeira com o pretexto de que seria ineficaz e até contraproducente; pelo contrário, deve colocar a brincadeira no centro, sendo o interesse da brincadeira, por definição, o único válido na infância. Com base nas premissas expostas, Claparède mostra que é somente através da brincadeira que um esforço real pode ser despertado, que somente o interesse é o que permite à criança superar seus reflexos defensivos contra uma tarefa desagradável e difícil. Portanto, a educação deve ser atraente e o sistema escolar "revolucionado de cima para baixo" (Claparède, 1916, p. 497).

Mas que interesses devem ser considerados? Como esses interesses se desenvolvem? Para responder a essas perguntas, Claparède refere-se à uma teoria biológica, natural do desenvolvimento. De um modo geral, objetos e atos interessantes evoluem do simples ao complexo, do concreto ao abstrato, da receptividade passiva à espontaneidade, da indeterminação à especialização, da subjetividade à objetividade, do imediatismo ao mediatismo. A partir disso, é possível descrever os sucessivos períodos de evolução dos interesses:

  1. 1. Interesses perceptivos (infância, primeiro ano);
  2. 2. Interesses glosais;
  3. 3. Interesses intelectuais gerais (os porquês);
  4. 4. Interesses especiais: ocorrendo durante a escolaridade, essa fase é particularmente importante – também do ponto de vista do nosso problema – e segue a lei biogenética fundamental de Haeckel, que postula um paralelismo entre a evolução de uma espécie e a do indivíduo e, portanto, suporta a hipótese de recapitulação. Para interesses especiais, Claparède refere-se aqui a Hutchinson, que descreve a aparência sucessiva de interesses de caça, pastoral, agrícola e comercial (Claparède, 1916, p. 533); e
  5. 5. Interesses sociais e éticos (12 anos; adolescência).

Na escola, estes interesses naturais deveriam coincidir com o ensino de acordo com dois princípios que Claparède resume assim: “1. A educação não deve impedir essa evolução natural; 2. Deve, na medida do possível, ajudá-lo” (Claparède, 1916, p. 544).

Agora, qual é o papel do saber nessa ideia? A resposta é clara e muitas vezes repetida: “O saber serve à ação”,[14] ou para citar outra expressão: “O saber deve estar subordinado ao pensamento[15]; não é o pensamento que deve estar subordinado ao saber” (Claparède, 1925, p. 4). Portanto, na teoria de Claparède, o desenvolvimento é determinado de duas maneiras. Primeiro, naturalmente, biologicamente, através do desenvolvimento de interesses; esses interesses definem o que é ensinável e as situações favoráveis ​​ao exercício do pensamento. É o pensamento e o exercício, ou seja, ação, que estão no centro do desenvolvimento; o saber é subordinado a eles. Segundo, pelo desenvolvimento da criança por si mesma, através de brincadeiras e imitações, que são os meios para criar situações favoráveis ​​à ação. Também nessa concepção, o saber tem um papel subordinado. Claparède afirma ainda que “a importância atribuída ao saber tem a consequência de extinguir a atividade da inteligência”( Claparède, 1925, p. 15) e às vezes produz uma contradição entre o pensamento - a busca de uma solução para um problema - e o saber como ele existe socialmente, por exemplo, em forma escrita. O saber é concebido como algo inerte, que pode ser recolhido em livros, se necessário, ou seja, é facilmente acessível: “suga gentilmente o pensamento dos outros, pois é menos cansativo do que usar seu próprio cérebro” (Claparède, 1925, p. 11). Em vez de tomá-lo pronto, devemos construir o saber, o que parece ser possível através da pesquisa e experimentação.

Sem dúvida, fomentada por uma visão espontânea da criança pequena se desenvolvendo naturalmente em um mundo natural, essa “desconfiança” do saber constituído e objetivado no ensino e desenvolvimento às vezes dá lugar a outra ideia, na qual o saber constituído responde a um questionamento decorrente dos interesses e necessidades da criança que pode, à sua maneira, progredir por meio de livros, dicionários, enciclopédias, etc. Mas o veredicto fundamental permanece: o saber serve ao pensamento e à ação que se desenvolvem através de sua própria lógica natural. O saber não transforma pensamento ou modos de ação; não é por si só dinâmico.

A escola e a função educacional: uma revolução Copernicana necessária

Tendo assumido essa posição, Claparède passa a fazer duras críticas à escola que, para ele, enfatiza demais o saber, muitas vezes inútil, desconectado do pensamento e da ação da criança. Em numerosas passagens de seu trabalho, ele escreve uma acusação impiedosa da escola: depósito passivo de saber, formalismo, verborragia, apresentação pedante de disciplinas. Na visão de Claparède (Claparède, 1925), Herbart certamente construiu um sistema de ensino coerente e completo, baseado além disso na psicologia. Mas, com seu intelectualismo, ele afastou a educação da ação, afirmando que a introdução de novos saberes seria, por si só, uma fonte de interesse e um motivo para novos estudos. A escola que resulta disso é descrita por Claparède como:

barrota as crianças com uma quantidade de saberes que elas nunca veem ser útil em facilitar sua conduta; faz com que escutem sem querer ouvir; faz com que falem e escrevam ... quando não têm nada a dizer; os faz observar sem despertar, antes a curiosidade; os faz raciocinar sem querer descobrir nada; isto faz com que eles façam esforços que a escola imagina serem “voluntários” sem primeiro ganhar aquiescência de si mesmos com a tarefa imposta, um consentimento interno que deveria apenas dar essa submissão ao dever do valor moral diminuído. Em uma palavra dissolve elementos cuja associação é a sua razão de ser; rompendo seu elo natural, mata-os, como quando você mata uma flor quando a separa do caule, um caule que separa da raiz (Claparède, 1913, p. 19).

Imbuída dos preceitos de Herbart, a escola era orientada para o professor; seu plano era o da ordem lógica do conhecimento. Uma revolução Copernicana foi imperativa: “O sistema educacional gravitando em torno da criança, não mais a criança deitada de boa vontade ou não no leito Procustiano do sistema, esse é o grande princípio de método que fez de Rousseau o Copérnico da pedagogia”,[16] exclama Claparède, reiterando a ligação que ele havia feito no início do século.[17]

Assim, Claparède propôs uma educação da criança que é realizada de dentro para fora, não de fora para dentro: não deve consistir em uma ação externa executada pelo professor, mas de um ato da própria criança, um ato que é estimulado por motivos internos. Ele resume isso afirmando que a educação funcional “não exige que as crianças façam qualquer coisa que querem ... exige, acima de tudo, que elas deveriam querer fazer tudo o que fazem, que ajam, não sejam atendidas” (Claparède, 1919, p. 144). Conhecer esses motivos que podem desencadear ação e esforço, colocando-os em jogo, colocando a criança nas condições apropriadas, deve ser o objetivo da educação. Portanto, Claparède, propõe um processo de ensino que compreende três etapas: despertar uma necessidade colocando o aluno em uma situação estimulante; desencadear por essa necessidade a reação da própria criança para satisfazê-la; adquirir o saber relevante para controlar essa reação (Claparède, 1923). As propostas específicas de Claparède consistem, portanto, em mostrar como a brincadeira pode funcionar como um poderoso auxiliar de ensino: pode capturar o interesse do aluno, uma vez que a brincadeira é a necessidade que caracteriza, até define, a infância. Observamos, no entanto, que, a partir desses postulados, Claparède não desenvolveu uma teoria das situações de jogo a partir da qual um novo avanço escolástico baseado em sua teoria dos interesses poderia ser feito. A realização de seus princípios - a partir de situações para criar uma necessidade - ocorre essencialmente por inversão: dados os currículos escolares, como eles podem ser transformados em uma situação lúdica? Como podem ser encontradas situações adequadas para o ensino dos currículos existentes, que certamente podem ser adaptados, mas que seguem fundamentalmente os princípios escolásticos aceitos?

Como devemos definir a atitude de Claparède em relação ao papel do saber objetivo? Apenas delinearemos alguns temas principais, difíceis de elucidar, pois não provêm de teorias produzidas pelo autor, mas são revelados em comentários e exemplos espalhados por seus textos. Podemos identificar duas maneiras de colocar o problema, que pareceriam parcialmente contraditórias e que, sem dúvida, transmitem uma espécie de ambivalência. Por um lado, detectamos uma rejeição do conhecimento livresco que Claparède propõe substituir pela experiência imediata. A definição mais clara apareceu na introdução a Dewey, cuja abordagem Claparède segue, explicando-a à sua maneira e relacionando-a com as de outros pensadores educacionais como Kerschensteiner e Ligthart (Claparède, 1913). O que deve estar no centro da escola e o que pode despertar interesse é o trabalho manual realizado em conjunto:

É o que Dewey queria colocar no centro da vida escolar, e na maioria dos outros ramos da aprendizagem; ao se tornarem assistentes, tirariam dessa situação uma grande vantagem para si mesmos, pois daria a eles esse valor funcional, esse valor instrumental que pode torná-los significativos aos olhos das crianças (Claparède, 1913, p.25).

As ocupações manuais constituem “pontos de partida dos quais as crianças serão levadas a realizar o desenvolvimento histórico da humanidade” (Claparède, 1913, p. 27). Uma oposição genuína é introduzida entre saber e pensamento. O essencial para Claparède era procurar; conhecimento não deve ser dado. Esta posição pode chegar a um argumento contra a leitura:

A leitura muda completamente a atitude da criança; de ativa, ela torna-se passiva. Ao invés de experimentar coisas, ela armazena palavras ... é mais fácil convencer uma criança a ler um livro, a memorizar páginas impressas do que levá-la a fazer as coisas por si própria. Ao desenvolvermos imagens visuais de palavras em crianças, competimos contra o desenvolvimento da memória auditiva verbal ... Ao iniciar o estudo de línguas estrangeiras, o fato de as crianças poderem ler é certamente um perigo .... A miopia tem uma certa relação com a leitura (Claparède, 1916, p. 95).

Aparentemente, o que começa como uma crítica à memorização levada ao extremo acaba como uma crítica igualmente sistemática de todo o saber "objetivo". O ideal parece ser a reconstrução pela criança de todo o conhecimento em um processo quase natural em situações de trabalho. O conhecimento (saber), sistematizado, objetivado, organizado em disciplinas, parece conter o pensamento. É potencialmente prejudicial, especialmente se não for reconstruído, redescoberto pela criança. De fato, o ensino em seu sentido clássico desaparece - retornaremos a isso mais tarde. Pode-se dizer que, depois da tábula rasa que, segundo Claparède, a criança constituiria para Herbart, segue-se a tábula rasa do conhecimento sempre reconstruída novamente por cada criança. Aqui está, sem dúvida, a profunda verdade da recapitulação da filogênese na ontogênese, uma tese Haeckeliana à qual Claparède subscreveu, como vimos.

Ao mesmo tempo, no entanto, existe uma versão menos radical da visão da escola, que toma sua organização disciplinar estabelecida e que visa basicamente transformar os métodos de apropriação do conhecimento, propondo brincadeiras para despertar a necessidade, transmutar - para usar uma expressão querida - audiências em laboratórios. Aqui estamos em outro relacionamento. Vamos dar um exemplo dado pelo próprio Claparède: o sujeito é dado, história; o tema é definido pelo plano de estudo, pelas cruzadas e é apresentado, por exemplo, por um filme. Assim, para responder à pergunta de por que as cruzadas ocorreram:

... caberá aos alunos procurar - procurar em dicionários, livros de história, livros específicos, por uma resposta a esta pergunta. Sempre que eles próprios encontram a resposta, não só terão aguçado sua mente pesquisando, mas também saberão o que eram as Cruzadas (Claparède, 1925, p. 19).

Outros exemplos seguem a mesma orientação de uma aceitação de fato da estrutura disciplinar, mas uma transformação dos métodos. Tomemos este outro extrato: “Para que o aluno tenha um entendimento adequado do valor prático dessas matérias [história, geografia, matemática], ele deve sentir as necessidades sociais que levaram à edificação das várias disciplinas do conhecimento” (Claparède, 1913, p. 28). O conhecimento aqui é dado e aceito como é. A principal questão reside na adequação do método, do cenário de apropriação do conhecimento.

Vamos dar uma olhada em como Claparède transmite esses conceitos através de suas reflexões na gramática (Claparède, 1910). Ele defende a teoria de que a linguagem não deve ser estudada “fora do papel para o qual é chamada a desempenhar na vida, na realidade das coisas”. Ele então critica duramente a maneira como foi ensinada nas escolas tradicionais, que favoreceu uma abordagem puramente formal, de categorização, de regras, de listas e tabelas. Agora, afirma Claparède, “a linguagem não é um conjunto de regras, uma lista de palavras e uma tabela de conjugação, é a manifestação concreta da vida interior” (Claparède, 1911/1984, p. 249). Esse tipo de conhecimento é inútil, até prejudicial, e sobrecarrega a memória: “O ensino da gramática como é realizado e o estudo das regras não são importantes para ensinar as crianças a falar corretamente” (Claparède, 1911/1984, p. 217). Medida em termos de utilidade, a gramática está desacreditada. Não é o conhecimento que pode servir à ação ou, se for, pode fazê-lo apenas marginalmente. Para Claparède,[18] a linguagem deve, antes de mais nada, permitir que a criança exprima o seu pensamento. Ele nunca deve exercer sua faculdade de falar inexpressivamente, como alguém faria com o estômago vazio. A partir daí, ele precisa receber os meios para melhorar a maneira como fala e escreve; observando a realidade que deve transmitir, enriquecendo o seu vocabulário, imitando o professor, dando-lhe ocasiões frequentes para falar. O desenvolvimento da linguagem está em plena continuidade com o que vem antes: é falando que desenvolvemos a fala, criando a necessidade da ação de falar, mantendo a coerência com as possibilidades da criança. A aprendizagem segue o desenvolvimento. O lugar da gramática, do conhecimento gramatical para a ação, parafraseando Claparède, é marginal pela força das circunstâncias. Em primeiro lugar, porque não é psicologicamente possível referir-se à gramática na ação: “Para falar bem não deveria necessitar interrogar constantemente a sua memória ... É a função da linguagem que deve exercer, e não a memória para as regras da gramática” (Claparède, 191/1984, p. 245). Em segundo lugar, porque as questões que a gramática pode responder são marginais; tratam de casos incertos que não poderiam ser decididos sem gramática (Claparède menciona a diferença entre “quelque” [alguns] e “tout” [todos]) e, é claro, ortografia. Para Claparède, o conhecimento gramatical não tem valor algum para a escola e para o ensino; é acessório, não sistemático e não sistematizado; pode ser dado ao acaso, em função da ação, esta última apenas definindo o curso do ensino.[19]

Essa posição explica por que dois modos de conceber o saber podem coexistir com Claparède, como vimos acima. É claro que são contraditórios na medida em que a relação com o saber objetivado é fundamentalmente diferente: ignorada em um caso, explorada à medida que descobertas vêm à luz no outro. Porém, o que une os dois modos é a não sistematicidade do saber e de sua apropriação. O que determina a exploração e aquisição do saber é a necessidade ou interesse momentâneo e contingente da criança. De certa forma, pode-se sugerir que não há lugar para uma teoria do ensino e da escola. Isso decorre da teoria da referência discutida acima: o desenvolvimento de interesses segue sua lógica natural, independentemente do conhecimento ao qual está subordinado; não há efeito do conhecimento sobre interesses e desenvolvimento, ao contrário, por exemplo, da teoria de Herbart.

O professor: um estimulador formado em psicologia

Em uma concepção como essa, o papel do professor muda consideravelmente em relação à concepção usual. Ele deixa de ser um “professor” segundo Claparède, mas passa a ser um “estimulador” e “colaborador” (Claparède, 1925, p. 19-20). Não é tanto o saber e erudição do professor que conta, mas seu entusiasmo, Claparède indo tão longe a ponto de sugerir, referindo a Henri de Roorda, que o ideal seria talvez o do “entusiasta ignorante” (Claparède, 1925, p. 20). O importante é criar situações que façam os alunos agirem; conhecimento pode ser procurado, em colaboração com os alunos, em procedimentos de pesquisa. Isso também implica em uma “escola feita sob medida” para cada criança (Claparède, 1920). O resultado é uma profunda transformação no conceito de formação de professores, com Claparède postulando a necessidade de uma base científica para o educador, uma base que consiste sobretudo num conhecimento profundo “do material com o qual ele está trabalhando” (Claparède 1916, p. 36): a criança. A formação de professores deve, portanto, ser psicológica acima de tudo a fim de adaptar o conhecimento e o processo a cada criança; e deve ser científica, na medida em que envolve participação ativa na pesquisa.[20] O que Claparède descreve para o Instituto que ele fundou pode ser considerado como o seu ideal de formação: um estabelecimento de ensino superior onde as questões relativas aos programas “podem ser discutidas com toda a independência de espírito que as universidades tradicionalmente têm” (Provisional programme, 1912, p. 6), porque “A espuma do pseudo-cientificismo é ainda mais perniciosa do que um conjunto estagnado de rotina” (Claparède, 1912, p. 44). Então o educador deve ser fortificado:

... nessa ideia de que só a pesquisa leal, imparcial, calma e sem preconceitos, rígida sobre si mesma, mas generosa e receptiva às opiniões dos outros, questionando constantemente, uma dúvida fecunda em hipóteses e verificações, incendiando a mente na busca da verdade embora o distancie do ceticismo estéril, apenas esse método de veracidade é capaz de nos abrir as brilhantes perspectivas de futuro (Claparède, 1912, p. 44).

A formação não pode se limitar à psicologia, mas deve incluir as inúmeras outras disciplinas que envolvem crianças, como medicina, história, filosofia, psicanálise, sociologia e até mesmo didática. Um ideal muito elevado de formação no qual o conhecimento sobre a criança domina amplamente: eles são os padrões pelos quais se mede a necessidade de formação.

Se analisarmos em detalhes o programa de pesquisa proposto por Claparède, e a divisão disciplinar por ele produzida, podemos detectar aí uma relação de aplicação do conhecimento científico que poderia ser descrito como “aditivo e unidirecional”.[21] Claparède distingue claramente duas áreas de investigação, a segunda baseada na primeira. A primeira trata de pesquisas sobre o desenvolvimento da criança e sobre a psicologia do indivíduo (diferenças entre os indivíduos, deficiências), vistas como independentes da educação e do ensino, definindo seu âmbito “natural” de atuação. A segunda trata da investigação sobre os métodos gerais de trabalho nas aulas, tendo em consideração os fatores naturais como o cansaço e o ritmo, mas também o trabalho em grupo e individual ou o efeito dos exames, da investigação sobre os métodos de ensino nas diferentes disciplinas “com relação à idade mental e tipo”, portanto fatores definidos pelas disciplinas fundamentais. A relação entre os dois campos é aditiva porque os conceitos fundamentais das duas áreas não se interpenetram, mas são cada um definido em seu próprio campo; é unidirecional na medida em que o movimento de aplicação vai do primeiro para o segundo, mas não na direção contrária. A mesma relação de aplicação é proposta para a pesquisa de métodos psicológicos usada no campo educacional.[22]

Esta relação entre as disciplinas claramente sugere o lugar central da psicologia: saber para ensinar é acima de tudo o conhecimento psicológico que afia o olho do professor, que o(a) orienta. É a expressão científica concreta da revolução Copernicana necessária na escola e implica uma mudança até na própria definição da profissão docente e da formação docente.

Aqui, o pensamento Claparediano é inteiramente consistente. Representa um programa de reforma radical cobrindo todos os aspectos sob a bandeira do que pode ser chamado de linha de educação rousseauniana. Exigente cientificamente, almejando um ideal de desenvolvimento individual harmonioso, sensível à orientação democrática da escola, abre espaços de transformação que reconhecem e valorizam os atores da área da educação, nomeadamente os professores, que, no entanto, serão também os primeiros a questionar a natureza específica de seu papel em tal reforma. Mas essa é outra história.

Vygotsky: ensinando a abrir caminho para o desenvolvimento – o saber como condição do pensamento
As funções mentais superiores: construções sócio históricas midiatizadas

Como Claparède, Vygotsky começa com uma crítica radical da psicologia dominante de seu tempo: os reflexologistas e behavioristas de um lado, os psicólogos subjetivistas de outro. Ele repreende os primeiros por sua incapacidade de propor o problema da consciência e das funções mentais superiores, os últimos por conceber as funções como dados puramente espirituais e imutáveis. E ele se esforça para compreender, por meio de uma psicologia causal, exatamente como as funções mentais superiores se formam e se desenvolvem, funcionando de acordo com novos princípios. Por exemplo, ele coloca a questão de como a formação de um conceito, atenção voluntária ou mesmo as emoções conscientes evoluem:

As funções superiores se desenvolvem de acordo com leis completamente diferentes das funções elementares ou inferiores. Seu desenvolvimento não ocorre em paralelo com o desenvolvimento do cérebro e o aparecimento nele de novas seções ou o crescimento de seções mais antigas.... Essas funções superiores, que são produto do desenvolvimento histórico do comportamento, surgem e são moldadas durante a idade de transição em dependência direta com o ambiente em que se desenvolvem durante o processo (Vygotsky, 1930/1998, p. 83-84).

Para entender a natureza dessas funções, nós devemos reconstruir a gênese, seguindo o adágio de Blonski segundo o qual o comportamento pode somente ser compreendido como história do comportamento. A fim de determinar o papel desempenhado, de acordo com Vygotsky, por ensino e conhecimento nesta história, devemos olhar primeiro para dois aspectos centrais de sua abordagem, a saber, sua teoria da mediação e a do desenvolvimento. Isso nos permitirá posteriormente examinar, através do conceito de uma zona de desenvolvimento proximal, a questão do papel do ensino, que a seguir desenvolvermos no que se refere à noção de forma escolar e seus efeitos no desenvolvimento.

Como Vygotsky afirmou, “o fator central sobre nossa psicologia é o fator da mediação” (Vygotsky, 1968, p. 196). Assim como o trabalho humano é mediado, ou seja, age sobre a natureza por meio de ferramentas, essas ferramentas transformam profundamente a natureza e a forma do trabalho e a relação com a natureza, então o ser humano age sobre sua própria natureza com o auxílio de ferramentas que são sinais, definidos como “todos os estímulos artificiais criados pelo ser humano como meio para controlar o comportamento - o seu próprio comportamento ou o dos outros”; ou “para exercer uma ação sobre outros, ou um meio que outros usam para exercer uma ação sobre uma pessoa individual” (Vygotsky, 1931/1974, p. 200). Estes sinais – linguagem sobretudo, mas igualmente todas as outras formas de sinais – podem ser consideradas como um meio para solucionar problemas mentais como lembrar, comparar, classificar e escolher. Inicialmente estes problemas são problemas coletivos e para resolvê-los o grupo utiliza os meios à sua disposição. Isso significa transformar profundamente os processos de percepção, memória, atenção e vontade. Eles são transformados no curso da história e, no nível do indivíduo, no curso do desenvolvimento ontogenético. Novas funções aparecem; novas relações entre funções são possibilitadas.

Essa compreensão da construção das funções pelas ferramentas semióticas transforma fundamentalmente a visão do desenvolvimento, que pode ser resumida em quatro teses principais:

  1. 1. Desenvolvimento, que quer dizer, na concepção de Vygotsky, o aparecimento de novas formas de funcionamento mental, funciona por diferenciação através da articulação e reorganização de funções mentais já existentes. A formação de conceitos, por exemplo, constitui e necessita de uma reorganização em uma nova unidade, que também transforma as capacidades envolvidas, de memória, de atenção, de linguagem e de percepção. Para colocá-lo nos termos de Vygotsky sobre o exemplo de formação de conceito:

Na sua formação [do conceito], todas as funções intelectuais elementares participam de uma combinação específica, sendo o elemento central desta operação o uso funcional das palavras como meio de dirigir voluntariamente a atenção, de abstrair, de diferenciar traços isolados, sintetizando-os e simbolizando-os por um sinal (Vygotsky, 1934/1985, p. 204).

Há três dimensões para esta primeira teoria: (a) as funções básicas - por exemplo, linguagem oral, memória ou classificação por meio de palavras - estão vinculadas a outras funções, dando assim origem a novas funções que formam verdadeiros sistemas mentais complexos; (b) as novas funções (ou sistemas) são, portanto, diferenciações das antigas; (c) os antigos permanecem, mas são transformados pelo processo de desenvolvimento.

  1. 1. A relação entre as funções são todas relações concretas primeiro entre as pessoas; as funções são transpostas do exterior para o interior, sendo os sinais meios para agir sobre os outros antes de serem meios para agir sobre si.
  2. 2. As diferentes funções da mente se desenvolvem de forma desigual. Uma função central em um dado momento de desenvolvimento - por exemplo, a linguagem oral que em sua aparência irriga e transforma todas as funções - dá lugar a outras – tal como, a linguagem internalizada ou certas formas de linguagens monológicas associadas à escrita - que se tornam os lugares centrais e meios para construir novas funções mentais.
  3. 3. O desenvolvimento não é linear nem cíclico; não é um simples aumento de capacidades já existentes; embora compreenda fases de evolução linear, são as fases de revolução em que aparecem novas funções mentais que melhor caracterizam e definem seus estágios. “Estas mudanças revolucionárias, abruptas e intermitentes, das quais está repleta a história do desenvolvimento cultural”, não devem ser ignoradas (Vygotsky, 1931/1974, p. 190).

Para Vygotsky, desenvolvimento é um “processo contínuo de autopropulsão” (Vygotsky, 1934/1976, p. 320) e não induzido de fora por um suprimento mecânico de novos elementos. Então ele atribui para este processo enorme autonomia. A questão que surge, portanto, é o que impulsiona esse processo. Vygotsky o define de maneira particularmente clara em um texto programático de pedologia:

A lógica da autopropulsão do processo de desenvolvimento deve ser mostrada ... Revelar a autopropulsão do processo de desenvolvimento é compreender a lógica interna, o condicionamento mútuo, os elos, a coesão mútua de vários fatores na unidade e na luta dos opostos envolvidos no processo de desenvolvimento (Vygotsky, 1931, p. 317).

Mas o que “luta de opostos” significa aqui? “A própria essência de tal desenvolvimento (por evolução e por revolução) é, portanto, o conflito entre as formas culturais evoluídas de comportamento com as quais a criança entra em contato e as formas primitivas que caracterizam seu próprio comportamento” (Vygotsky, 1931/1974, p. 190). A educação está precisamente no ato de criar continuamente esse conflito. Portanto, sua função é, de certa forma, provocar o desenvolvimento artificial dos processos naturais.

Isso implica que não se pode conceituar e estudar o desenvolvimento em geral, mas que se apreende o desenvolvimento específico tal como se manifesta em uma determinada estrutura social (no caso da nossa sociedade, a chamada família “nuclear” e a escola em particular). Isso significa, notavelmente, que o desenvolvimento nunca pode consistir em uma recapitulação da evolução humana no nível do indivíduo, uma vez que a evolução humana varia dependendo dos contextos sociais e históricos. No que se refere à escola e ao ensino, isso significa que, ao contrário do behaviorismo que analisa o aluno independentemente de suas outras características, e contrário à abordagem Claparediana e Piagetiana que observa a criança independentemente de sua condição de aluno, deve-se estudar “uma particular criança como aluno” (Vygotsky, 1985, p. 46).[23] Para apontar o papel da escola no desenvolvimento, Vygotsky o define da seguinte maneira:

... a característica fundamental do ensino é a formação de uma zona de desenvolvimento proximal. Ensinar, assim, cria, desperta e nutre na criança toda uma série de processos de desenvolvimento interno, que, a qualquer momento, só lhe são acessíveis no contexto da comunicação com o adulto e da colaboração com os colegas, mas que, uma vez interiorizados, tornar-se-ão a própria conquista da criança (Vygotsky, 1934/1985, p. 112)

Em essência, é a criação de uma tensão entre o exterior e o interior, a criação de uma contradição que está na base de todo desenvolvimento. Os dois movimentos são necessários; de um lado está o ensino que vem antes do desenvolvimento, que dá à criança novas ferramentas, que lhe dá novos conteúdos, que a coloca em situações desconhecidas que ela não consegue resolver sozinha. Por outro lado, e ao mesmo tempo, há o fato de que esse ensinamento, ao definir a direção do desenvolvimento, não pode determiná-la mecanicamente, passo a passo, sendo o desenvolvimento em bom estado sempre autopropulsão.

As disciplinas formais e o conhecimento no centro da escola

Então ensinar é um fator essencial no desenvolvimento. Mas o que ensinar? Em que escola? A posição de Vygotsky nesta área é dupla. Por um lado, ele critica o fato de que os princípios básicos do sistema escolar - e especialmente o princípio das “disciplinas formais” - não foram elaborados suficientemente e, em particular, foram aplicados de tal forma que estavam fadados ao fracasso. Vygotsky frequentemente refere-se a isso em relação à velha escola Czarista, na qual a memorização dominava. Então ele pensou que ainda havia um trabalho importante a ser feito em termos de reforma para ir além da simples memorização, na qual o ensino ainda era muitas vezes baseado. Mas também pensava que se tratava de reinterpretar, à luz dos novos conhecimentos adquiridos, os princípios fundadores do sistema escolar e, especialmente, o princípio das disciplinas formais, “uma ideia progressista em si”, a qual um dos principais teóricos não era outro senão Herbart (Vygotsky, 1934/1985, p. 254). A ideia básica de disciplinas formais é que existe um tipo de aprendizagem:

... que inclui grupos complexos de funções mentais, põe em movimento áreas extensas inteiras do pensamento infantil e afeta necessariamente, nos diversos aspectos e nos diversos assuntos em que se decompõe, processos mentais proximais, semelhantes ou mesmo idênticos ... a disciplina formal ... deve ser claramente uma de suas leis fundamentais (Vygotsky, 1934/1985, p. 257).

Esta ideia é desenvolvida da seguinte forma (Vygotsky, 1934/1985, p. 268-269): disciplinas diferentes têm uma base mental comum, que é consciência e domínio (das funções mentais apropriadas); é aqui que se torna uma questão de disciplinas formais. Graças a essa base comum, o aprendizado em cada disciplina tem um efeito que vai além dos limites de seu conteúdo. As funções mentais associadas a cada disciplina - atenção, memória, pensamento, imaginação - desenvolvem-se em um processo de interação como resultado do ensino e aprendizagem das disciplinas na escola.

Portanto, Vygotsky não está de forma alguma desafiando a organização disciplinar da escola e pleiteando um realinhamento para os problemas cotidianos associados às necessidades e interesses das crianças, como vimos com Claparède e geralmente no novo movimento educacional. Ao contrário, critica severamente a educação nova tal como foi introduzida oficialmente na União Soviética, na medida em que assumiu a forma de um “sistema de ensino escolar por complexos” organizado em torno de problemas práticos cuja solução envolvia o uso de conhecimentos de diferentes disciplinas; esse ensino focava “no desenvolvimento do ontem, nas particularidades do pensamento infantil já formado. Os pedagogos prescreviam, com o auxílio do sistema por complexos, reforçando no desenvolvimento da criança justamente o que ela deveria deixar para trás ao entrar na escola” (Vygotsky, 1934/1985, p. 274). Assim, ao dar-lhe um novo rumo, assim como novos meios, defende a necessidade de uma organização disciplinar do saber escolar.

Tomemos o exemplo da disciplina escolar de “gramática” também considerada, como vimos, por Claparède. Vygotsky admite que esta não contribui com nada de novo para o aluno que sabe conjugar e que tem um bom domínio das formas sintáticas. “Mas a criança aprende na escola ... a tomar consciência do que faz e, consequentemente, a usar seu próprio saber voluntariamente” (Vygotsky, 1934/1985, p. 265). E de maneira mais geral: “Uma criança que conseguiu tomar conhecimento do caso domina efetivamente essa estrutura, que é então transferida para outras áreas não diretamente ligadas ao caso ou mesmo à gramática como um todo” (Vygotsky, 1934/1985, p. 269). A Gramática transforma a relação de sua própria linguagem: que é o princípio básico. E essa transformação vai na mesma direção da que atua em outras disciplinas; isto é o que torna potencialmente uma disciplina formal. E com ainda mais precisão: o conhecimento - aqui o conhecimento gramatical - não funciona como um auxiliar de outra ação ou pensamento; não é acessado por sua utilidade externa. O próprio conhecimento gramatical é uma condição da transformação da relação com os próprios processos, bem como com o conhecimento já existente, e isso por duas razões interligadas. Primeiro, é um conhecimento que generaliza o conhecimento já existente e que o integra em um sistema novo e mais poderoso; este sistema contém o outro na medida em que o representa em um nível mais geral, o que dá maior liberdade em comparação com o conhecimento já existente e permite que seja usado de forma mais consciente e voluntária. Em segundo lugar, o acesso aos sistemas mais gerais - que são sistemas de conhecimento sistêmico derivados de sistemas científicos ou especialistas - requer um ensino sistemático que essencialmente não segue as necessidades e motivos do aluno, mas a lógica do próprio conhecimento, tomando conta, é claro, da zona de desenvolvimento proximal que define os conteúdos possíveis e o método pelo qual eles são pensados.

O caminho do ensino e da aprendizagem, então o desenvolvimento, portanto, não é de baixo para cima, da experiência de vida ou do empírico para o sistemático, mas de cima para baixo, do geral para o empírico, sob leis complexas, porém, que ligam os dois muito próximo. O conhecimento em si, a sistematicidade do conhecimento e o seu ensino - que caracteriza precisamente a disciplina escolar - são, portanto, as condições de desenvolvimento em idade escolar, favorecendo uma transformação fundamental da mente como um todo para uma maior consciência e controle voluntário, bem como uma intelectualização das funções mentais. Declarado de uma maneira ainda mais geral:

Resulta num dos problemas centrais da nossa psicologia, a saber, o esclarecimento psicológico dos caminhos pelos quais a criança é conduzida para o ensino politécnico, bem como os caminhos que um ensino politécnico deve seguir, que ligam o trabalho prático da criança com o conhecimento científico ... O desenvolvimento do pensamento tem, portanto, um significado central para toda a estrutura da consciência e para todo o sistema de atividades dos sistemas psíquicos. Isso também vai de par com a ideia de uma “intelectualização” das demais funções, ou seja, de sua transformação pelo fato de que o pensamento resulta em certo nível na compreensão dessas funções, que a criança começa ter uma relação racional com suas atividades mentais. Segue-se disso que uma série de funções que até então atuavam automaticamente começam a agir de forma consciente, lógica (Vygotsky, 1996, p. 73-74).

O professor: especialista do conhecimento e profissional docente

Esta visão do ensino e da sua função para o desenvolvimento, em que o conhecimento organizado em disciplinas desempenha um papel central, tem consequências para a conceitualização do professor, do seu papel e da sua formação. Pelo menos dois elementos são apresentados por Vygotsky. O primeiro diz respeito à transformação radical que envolve uma escola que passa da memorização e doutrinação (que segundo ele é representada pela escola czarista) para uma escola que introduz o conhecimento das disciplinas. Isso significa primeiro, é claro, que o professor tem o domínio do conhecimento. Mas, além disso: dada a complexidade e a novidade da tarefa, o professor deve ser capaz de construir a sua ação não na intuição, o que implica correr riscos contínuos, ou no entusiasmo, beirando a ilusão, mas com o conhecimento científico. Os métodos de ensino tornam-se cada vez mais complexos e numerosos e contam com uma base de conhecimento cada vez maior. “Assim, o que é exigido do professor é um conhecimento aprimorado da matéria e um conhecimento aprimorado da metodologia de seu ofício” (Vygotsky, 2006, p. 345).

Mas a profissão também teve que mudar no sentido de uma maior repartição das responsabilidades do trabalho: na escola, no desenvolvimento do conhecimento sobre a profissão e na prática docente. Pouco se sabia sobre o desenvolvimento e ensino infantil e havia uma lacuna entre as demandas de conhecimento e as possibilidades de atendê-las. Aqui a tarefa também era colaborativa: reduzir a lacuna existente de cada lado, coordenar esforços tanto no trabalho científico como prático. E Vygotsky usa uma metáfora para isso: “apenas no caminho da Ferrovia Turkestan-Siberian; quando os operários da ferrovia de lados opostos se aproximavam de um ponto e, como resultado de muito trabalho, ligaram as duas partes (Vygotsky, 1931, p. 379). Esta coordenação é centrada no ensino. Isso significa que o ensino não é um campo de aplicação secundária, mas entra na própria definição da questão do desenvolvimento da criança ou da criança com deficiência. E, de fato, ao contrário de Claparède, Vygotsky não defende uma abordagem aditiva e unilateral da aplicação. Onde Claparède aplica conceitos da psicologia - por exemplo, o da brincadeira - a um problema educacional, sem transformá-lo em um problema científico, Vygotsky se apodera da dimensão prática essencial do campo - aqui o ensino ou a educação - para torná-lo um elemento definidor, um conceito fundador, do problema - aqui redefinindo a questão do desenvolvimento e da aprendizagem no que se refere ao ensino, principalmente através do conceito de zona de desenvolvimento proximal. A relação de aplicação, o fato de uma disciplina de pedagogia, por exemplo, transformar as práticas no campo, assenta na integração da dimensão prática no problema teórico, o que tem inevitavelmente um efeito significativo na forma de teorizar o desenvolvimento, ou nas funções mentais, ou seja, os conceitos fundamentais da disciplina.[24] Aqui está a análise que Vygotsky propôs para a principal força motriz da psicologia, que pode ser lida como o programa a que se dedicou: “É o desenvolvimento da psicologia aplicada que tem provocado a reorganização de toda a metodologia [para ele isso significa a definição dos objetos de conhecimento e dos meios para conhecê-los] de nossa ciência com base no princípio de sua prática”.[25]

Um símbolo da diferença: o elo entre Rousseau e Tolstoy

Tanto Claparède quanto Vygotsky revelam a estreita afinidade entre Rousseau e Tolstoy, mas a análise dessas figuras também é uma oportunidade para apontar suas próprias posições, que no caso deles eram contrastantes. Claparède, um entusiasta adepto, alista Tolstoy como testemunha na conclusão de seu estudo sobre Rousseau: “Rousseau não envelhece” - e vai ainda mais longe: “Refletindo sobre sua concepção de infância, diremos mesmo: ele está rejuvenescido”.[26] Vygotsky, por sua vez, afirma criticamente que Tolstoy aderiu à mesma ilusão da bondade natural do homem que Rousseau; e ele cita: “O homem nasce perfeito: esse é o grande princípio de Rousseau; e é um princípio que, como uma rocha, permanecerá durável e verdadeiro” (Vygotsky, 1930/1980, p. 77). As respectivas posições de Claparède sobre Rousseau e de Vygotsky sobre Tolstoy simbolizam suas visões sobre saber e ensino.

Ao dar ao seu instituto o nome “Jean-Jacques Rousseau”, Claparède sinaliza uma adesão ao Rousseanismo a qual ele explica em seus artigos programáticos de 1912.[27] Ele consegue fazer de alguém que ficou famoso por seu panfleto contra a ciência e as Academias[28] o inspirado precursor da ciência infantil que defende acima de tudo conhecer a criança para educá-la. Mas há muito mais: de acordo com as leis reveladas pela ciência, Rousseau propôs antes de tudo que a educação segue a ordem da natureza, que a razão não deve ser invocada até que tenha florescido espontaneamente, que na natureza deve agir: a lei da herança genética, declara Claparède. Rousseau defende a necessidade de deixar a criança fazer somente aquilo que ela sente necessidade, interesse; deve-se, portanto, criar as circunstâncias que dão origem à necessidade; a lei da adaptação funcional afirma Claparède. Rousseau considera que cada idade tem a sua própria perfeição, a infância, a da inocência e a oportunidade de gozo e liberdade de cuidados que não devem ser perturbados, mas respeitados: a lei da autonomia funcional afirma Claparède. E para resumir sua análise:

Rousseau queria mostrar, por um lado, que esses meios seriam cada vez mais eficazes quanto mais nos aproximássemos daqueles que a natureza usa para desenvolver os indivíduos; por outro lado, que impedir a evolução natural não era apenas fútil, mas até prejudicial, ou porque atrapalhava o desenvolvimento normal, ou porque tornava a criança contra a virtude ao apresentar-lhe em um momento inadequado.[29]

“Ao observar os efeitos do processo de progressão da civilização sobre os seres humanos, filósofos como Rousseau e Tolstoy não viam outra solução senão o retorno à natureza humana pura e integral”,[30]postula Vygotsky por sua vez. Embora reconheça a profundidade da obra de Tolstoy, sobre a qual comenta, incluindo seus elementos essenciais em sua própria concepção de ensino, especialmente das artes, e ao mesmo tempo que concorda com a crítica de Tolstoy sobre o caminho “escolástico” que impede o desenvolvimento porque o força onde ele não é possível, ele desenvolve uma crítica fundamental dos princípios básicos do escritor. Em particular, ele contesta sua visão de que toda intervenção retarda os processos de desenvolvimento que ocorrem espontaneamente de acordo com as leis da natureza e por encontro casual. Acima de tudo, ele também mostra que essa visão nada tem a ver com o trabalho real de educação e ensino que o próprio Tolstoy fez. É uma idealização da infância e seus empreendimentos que produz o efeito de uma espécie de perfeição e fechamento que remove a possibilidade e necessidade de intervenção.

No entanto, uma análise mais profunda mostra que, embora os esforços criativos de uma criança possam efetivamente ser a expressão de uma profunda tensão emocional, seu poder está confinado à própria criança, sendo o ato criativo limitado às formas mais elementares e básicas. Longe de ser um impedimento ou obstáculo, a transformação da relação da criança com seu próprio poder criativo por conhecimentos e métodos é a condição para o desenvolvimento da criatividade e da emoção: “a imaginação do adolescente entra em estreita conexão com o pensamento em conceitos; ele é intelectualizado e incluído no sistema de atividade intelectual e começa a cumprir uma função completamente nova na nova estrutura da personalidade do adolescente” (Vygotsky, 1930/1998, p. 154). E está longe de ser um processo harmonioso: é preciso ter em mente o imenso caminho que a criança deve percorrer sozinha em um ambiente estimulante criado pelo ensino. Disto Vygotsky deduziu:

Uma vez que tenhamos em mente a incrível vastidão desse caminho, no entanto, torna-se inteiramente compreensível que a criança tenha que entrar em uma luta brutal com o mundo, e que nessa luta o professor deve dar a palavra final. É então que temos a ideia de que ensinar é como uma guerra.[31]

Então ele coloca a ideia em termos mais concretos:

Nenhuma das pedagogias que açucararam a “época dourada da infância plácida” e adoçaram o processo educacional com água cor de rosa encontram-se em nosso caminho. Ao contrário, sabemos que a tragédia da infância é o maior motor da educação, assim como a fome e a sede são os impulsionadores da luta pela existência. A educação, portanto, deve ser orientada de forma a não ocultar e não mascarar os traços severos do verdadeiro “descontentamento” da infância, mas a empurrar a criança para um confronto com este descontentamento da maneira mais aguda possível e tão frequentemente quanto possível, forçá-la a conquistá-lo.[32]

Conclusão

Contra um fundo comum de envolvimento substancial na construção e promoção de uma abordagem científica para fenômenos educacionais e práticas pedagógicas, e ambos impulsionados por uma concepção de conhecimento como um ingrediente essencial na educação, Claparède e Vygotsky produziram dois conceitos diametralmente opostos do papel do saber na educação e no ensino e para o desenvolvimento, ou seja, de saber a ensinar, e da natureza do saber necessário para ensinar. Essas duas abordagens teóricas são explicadas, sem dúvida, pelo contexto sócio-histórico em que foram produzidas, não no sentido mecânico de uma determinação, mas no sentido dialético de sua possibilidade em um dado momento e de sua probabilidade em um determinado contexto. Nesse sentido, mencionamos alguns elementos a serem examinados com muito mais profundidade.

Claparède atuou em um contexto social em que a escolarização já era bastante desenvolvida, sendo Genebra conhecida há muito tempo pelo investimento pedagógico e pelas escolas públicas e privadas. No início do século XX, a educação estatal estava bem estabelecida e a igualdade na educação era amplamente proclamada lá. A crítica à escola tradicional que Claparède retomou originou-se de uma rede de sociabilidades que promoveu os valores individuais da educação, praticando e experimentando novas formas de escolarização, dirigidas principalmente a uma clientela privilegiada e culta. Paralelamente, surgiu a demanda por treinamento e educação para os marginalizados da escola - as chamadas crianças retardadas - para os quais foram desenvolvidos métodos educacionais, com foco em rotinas práticas e trabalho manual, a partir de conceitos pedagógicos que defendem esse tipo de abordagem. As teorias da infância propostas pela psicologia eram inteiramente consistentes com essas críticas e reformas,[33] orientados como estavam para uma concepção natural de desenvolvimento. Disciplina acadêmica, a psicologia era, ao mesmo tempo, para os professores primários, uma forma de conhecimento que garantia sua posição profissional. Criou uma aliança objetiva entre vários componentes sociais que tiveram um efeito duradouro no sistema escolar e sua relação ambivalente com o conhecimento, especialmente no nível primário.

Vygotsky desenvolveu sua contribuição em um contexto social muito diferente: o sistema escolar ainda estava em parte para ser estabelecido e tinha o dever de incluir milhões de crianças órfãs e sem-teto. O trabalho de Vygotsky refletiu um esforço para estabelecer estruturas escolares capazes de integrar todas elas, especialmente os deficientes físicos e mentais. Valores coletivos de educação foram defendidos; havia pouco espaço para críticas à escola no sentido de uma definição de conteúdos baseada nos interesses e necessidades de cada criança. A isso se somam arcabouços interpretativos dominantes que sublinham a historicidade do ser humano, reforçada pelo fenômeno de um contexto revolucionário em que a mudança foi observada quase ao vivo. O desenvolvimento da criança, portanto, parece seguir padrões diferentes, dependendo do contexto cultural e histórico. A biografia intelectual de Vygotsky contribui para isso. Em particular, estabeleceu-se uma teoria dos sinais - também elaborada em consonância com proposições teóricas desenvolvidas por outros - como forma possível de controle das reações psíquicas, permitindo que a historicidade do ser humano fosse conceituada.

Nestes dois contextos históricos, ambos os autores procederam à construção de duas concepções opostas que podem ser interpretadas como resultantes de dois modos de construção teórica, eles próprios também ligados a estes contextos que, sem os explicar, podem pelo menos torná-los mais prováveis, talvez até possível: um modo de construção por negação abstrata e outra por negação determinada.[34]

Este primeiro modo procede por oposição, por negação abstrata ou geral, pela definição de um “tout autre”[35], algo totalmente diferente da realidade criticada: “O edifício pedagógico deve ser totalmente reconstruído em uma nova base” (Claparède, 1912, p. 16). A escola é qualificada de totalmente negativa: ridícula, declara Claparède, ultrajante, incoerente, negligenciando a educação, estéril ... Portanto, devemos encontrar o “tout autre”, o mundo de bem, do bem. Obviamente, não é por acaso que a inspiração se encontra em Rousseau, ele mesmo um teórico da negação abstrata, cuja encarnação é Emile. Este “tout autre”, no entanto, permanece em grande parte anedótico e não assume a forma de uma verdadeira teoria do ensino e da escola. Contra o saber central da escola, massa inerte sem vida, objeto de memorização, Claparède coloca a ação e a experiência da criança em que o saber desempenha um papel estimulador auxiliar. O conhecimento por si só não parece formativo; o que o faz, porém, é ação, jogo, trabalho manual, passível de produção de conhecimento, conhecimento detido. Em suma, apenas o conhecimento construído pelo indivíduo é conhecimento conhecido e não armazenado.

O segundo modo procede por uma abordagem que está contida no embrião na seguinte frase de Vygotsky: “É em parte sua elaboração insuficiente, mas acima de tudo a inadequação de sua aplicação prática às tarefas da pedagogia burguesa moderna que conduziram a teoria das disciplinas formais à falência teórica e prática” (Vygotsky, 1934/1985, p. 255). Não é a negação e a rejeição da concepção fundadora de uma escola para todos que pode superar suas fragilidades, mas seu desenvolvimento teórico e prático. Este desenvolvimento concretiza-se pela determinação o mais pormenorizada possível, a nível teórico, do papel dos saberes estruturados sistematicamente e apresentados nas disciplinas formais, as disciplinas escolares, na construção e desenvolvimento de novos sistemas psíquicos. O conhecimento aqui desempenha o papel de força motriz, ou pelo menos pode desempenhar o papel de força motriz se - e aqui lembramos a crítica Claparediana - armazenar, memorizar pode ser deslocado como único princípio de ensino.

Então, que saber é necessário para ensinar? Em um modo, é a psicologia infantil em particular, incluindo uma compreensão dos processos de aprendizagem; por outro lado, quanto a que saberes ensinar, o fato de ser um “entusiasta ignorante” não deve ser um obstáculo para a construção do saber. Na outra modalidade, é o domínio do saber e de sua forma escolar sistematizada, à qual se soma o saber sistemático da profissão no que se refere às suas práticas - uma área amplamente inexplorada e a ser construída coletivamente. Aqui novamente se encontra, de outra forma, a negação abstrata e a negação determinada: o professor não ensinando mais versus o professor como construtor de sua própria profissão. O modo pelo qual esse conhecimento é construído segue uma lógica de aplicação diferente em cada caso: em um caso, da psicologia às disciplinas subordinadas em uma relação aditiva e unilateral; na outra, pela construção, nas disciplinas, psicologia ou pedologia, de problemas integrando dimensões práticas no próprio cerne dos conceitos, numa relação recíproca.

Terminamos com uma avaliação por meio de uma abertura. Recentemente, surgiram dois textos que, como fizemos aqui com Claparède, comparam Vygotsky com outro representante da nova educação, a saber, Dewey, concluindo (ou pressupondo) que os dois autores estavam basicamente de acordo. Glasmann afirma, na conclusão de seu artigo, que “Dewey e Vygotsky são extraordinariamente próximos quanto à importância da atividade cotidiana no processo educacional ... No cerne desse legado está a importância das atividades cotidianas para todos os seres humanos”(Glassman, 2001, p. 12).[36] A proximidade entre os dois autores comparados é aqui afirmada a partir do que de fato os separa, a saber, o papel central desempenhado pela atividade cotidiana na educação, atividade que vimos, segundo Vygotsky, deve efetivamente ser desconsiderada em favor de saberes organizados sistematicamente em disciplinas como condição para o desenvolvimento de novas funções psíquicas. Popkewitz critica os projetos de Dewey e Vygotsky afirmando sua comunidade pelo fato de que eles “trazem as novas racionalidades políticas democráticas para o governo da conduta individual”, portanto, também desconsiderando a forma de conhecimento e racionalidade (Popkewitz, 1998). Defenderíamos prontamente a hipótese de que o argumento da proximidade entre Vygotsky e outros protagonistas da educação nova é o resultado de desconsiderar, na análise, o lugar do saber; este argumento é, nesse sentido, herdeiro direto do movimento dominante da educação nova. Em outras palavras: o respectivo posicionamento que simboliza nossos dois protagonistas Vygotsky e Claparède ainda estrutura o debate hoje.[37] Uma análise de sua história é ainda mais necessária.

Material suplementar
Agradecimentos

Agradecemos calorosamente a Jean-Paul Bronckart e Michel Brossard por sua releitura crítica e sugestões inestimáveis para a finalização deste artigo.

Referências
Barbier, Jean-Marie (ed.). (1996). Savoirs théoriques et savoirs d’action. Paris: Presses Universitaires de France.
Claparède, Edouard. (1903). L’association des idées. Paris: Doin.
Claparède, Edouard. (1910). N’attribue-t-on pas trop d’importance à l’étude de la grammaire à l’école primaire?. Bulletin de la Société pédagogique genevoise 4 (p. 46-49).
Claparède, Edouard. (1911/1984). Principes généraux. In Inediti pedagogici. Perugia: Universitá degli studi. ed. S. Bucci.
Claparède, Edouard. (1912). Un Institut des Sciences de l’éducation et les besoins auxquels il répond. Genève: Kündig.
Claparède, Edouard. (1913). Introduction. La pédagogie de Mr. J. Dewey. In L’école et l’enfant, J. Dewey. Neuchâtel.
Claparède, Edouard. (1916). Psychologie de l’enfant et pédagogie expérimentale. Genève: Kündig.
Claparède, Edouard. (1916). Sur l’âge de la lecture. In Intermédiaire des Educateurs 4. (p. 92–96).
Claparède, Edouard. (1917). Educação e Democracia. Boletim da Sociedade Pedagógica Genética V (p. 11–19).
Claparède, Edouard. (1919, February). Les nouvelles conceptions éducatives et leur vérification par l’expérience. Scientia.
Claparède, Edouard. (1920). L’école sur mesure. Genève and Lausanne: Payot.
Claparède, Edouard. (1922, December). Conception fonctionnelle de l’éducation. L’Informateur des aliénistes et neurologists (p. 260–61).
Claparède, Edouard. (1923). La psychologie de l’école active. Intermédiaire des Educateurs 97 (p. 369–79).
Claparède, Edouard. (1925). Réflexions d’un psychologue. In Annuaire de l’instruction publique en Suisse XVI.
Claparède, Edouard. (1931/2003). L’éducation fonctionnelle. Paris: Delachaux et Niestlé.
Coriand, Rotraud; Winkler, Michael. (ed). (1998). Der Herbartianismus – Die vergessene Wissenschaftsgeschichte. Weinheim: Wissenschaftliche Buchgesellschaft.
Depaepe, Marc. (1987). Le premier (et dernier) congrès international de pédologie à Bruxelles en 1911. Bulletin de la Société Alfred Binet et Théodore Simon 87. (p. 28–54).
Depaepe, Marc. (1993). Zum Wohl des Kindes? Pädologie, pädagogische Psychologie und experimentelle Pädagogik in Europa und den USA, 1890–1940. Weinheim: Wissenschaftliche Buchgesellschaft.
Fradkin, Feliks A. (ed.) (1990). Research in Pedagogics: Discussions of the 1920s and the early 1930s. Moscow: Progress Publishers.
Glassman, Michael. (2001). Dewey e Vygotsky: Sociedade, experiência e investigação na prática educacional. Educational Researcher 30 (p.3-14).
Hofstetter, Rita; Schneuwly Bernard. (2006). Passion, Fusion, Tension. New Education and Educational Sciences – Education nouvelle et sciences de l’éducation (End Nineteenth – Middle Twentieth Century – fin 19e – milieu 20e siècle). Berna: Lang.
Krupskaya, Nadezhda S. (1928). Speech to the first congress of pedologists. In Research in Pedagogics. Fradkin.
Labaree, David F. (2005) Progressivism, Schools and Schools of Education: An American Romance. Pedagogica Historica, XLI. (p. 275-88).
Mecacci, Luciano. (1983). Introduzione. In Vygotskyj: Antologia di scritti a cura di Luciano Mecaccci. Bologna: Mulino. (p. 7–35).
Popkewitz, Thomas S. (1998). Dewey, Vygotsky, e a gestão social do indivíduo: pedagogia construtivista como sistemas de ideias no espaço histórico. American Educational Research Journal XXXV. (p.535–70).
Provisional programme. (1912, March). Fonds général des Archives Institut Jean-Jacques Rousseau.
Vygotsky, Lev S. (1927/1934). A alteração socialista do homem. In: The Vygotsky Reader, ed. R. Van der Veer e J. Valsiner. Oxford: Oxford University Press. (p. 175-84).
Vygotsky, Lev S. (1930/1980). Immaginazione e creatività nell’età infantile. Roma: Riuniti.
Vygotsky, Lev S. (1930/1998). Pedologia do adolescente. In The Collected Works of L.S.
Vygotsky, Lev S. (1931). To the question of psychology and pedology. In Research in Pedagogics, ed. Fradkin.
Vygotsky, Lev S. (1931). Novos desenvolvimentos na pesquisa pedológica. In Research in Pedagogics, ed. Fradkin.
Vygotsky, Lev S. (1931). O diagnóstico do desenvolvimento e a investigação pedológica de crianças problemáticas. In Research in Pedagogics, ed. Fradkin.
Vygotsky, Lev S. (1931/1974). Storia dello sviluppo delle funzioni psichiche superiori. Firenze: Riuniti.
Vygotsky, Lev S. (1934/1976). Il problema della periodizzazione dello sviluppo infantile. In La psicologia sovietica 1917–1936, L. Mecacci. Rome: Riuniti.
Vygotsky, Lev S. (1934/1985). Pensée et langage. Paris: Editions sociales.
Vygotsky, Lev S. (1968). Problema soznanjia. [O problema da consciência], in Psychologija grammatiki, ed. Alexander A. Léontiev and T.B. Riabovoï. Moscow: Isdatjelstvo Moskobskovo Universitjeta.
Vygotsky, Lev S. (1985). La méthode instrumentale en psychologie. In Vygotsky aujourd’hui, ed. B. Schneuwly e J.-P. Bronckart. Neuchâtel et Paris: Delachaux et Niestlé.
Vygotsky, Lev S. (1996). Vorlesungen zur Psychologie. Marburg: BdWi-Verlag.
Vygotsky, Lev S. (2006). Educational Psychology. New Dehli: Pentagon Presse.
Vygotsky, Lev S. (1927/1994). A alteração socialista do homem. In The Vygotsky Reader, ed. R. Van der Veer e J. Valsiner. Oxford: Oxford University Press. (p.175-84).
Notas
Notas
[1] O texto foi publicado originariamente como: Hofstetter, R.; Schneuwly, B. (2009). Knowledge for teaching and Knowledge to teach: two contrasting figures of New Education: Claparède and Vygotsky. Pedagogica Historica. Vol. 45, NOS. 4-5, August – October, 2009, 605-629. O artigo foi traduzido para o português por Danilene Gullich Donin Berticelli (ID: https://orcid.org/0000-0003-3051-4750.
[2] Rita Hofstetter é professora titular da Seção de Ciências da Educação da Universidade de Genebra. Ela trabalha com história da educação e se especializou no estudo dos séculos XIX e XX. Sua pesquisa atual trata da nacionalização de escolas, das reformas da formação de professores e da emergência das ciências da educação como campo disciplinar. É diretora da Equipe de Pesquisa em História das Ciências da Educação (ERHISE). Ela é codiretora da série de livros Exploration, editada pela Swiss Educational Research Association, e ex-editora-chefe do Swiss Journal of Educational Sciences. Email: Rita.Hofstetter@pse.unige.ch
[3] Bernard Schneuwly é professor ordinário de didática de línguas na Seção de Ciências da Educação da Universidade de Genebra. Trabalha os métodos de ensino da expressão oral e escrita, os conteúdos lecionados nas aulas de educação na língua materna francesa, a relação entre ensino, aprendizagem e desenvolvimento e a história das ciências da educação. Juntamente com Rita Hofstetter, é o diretor da Equipe de Pesquisa em História das Ciências da Educação (ERHISE). Ele é ex-presidente da Associação Suíça de Pesquisa Educacional (SERA) e co-diretor da série de livros Exploration, editada pela SERA.
[4] Em português “knowledge” pode ser traduzido como “conhecimento” ou “saber”. Adotamos “saberes” na maior parte do texto. Em alguns momentos utilizamos a palavra “conhecimento” por entender que trazia mais sentido para a frase.
[5] Aqui está a definição proposta por Foucault: “Essa série de elementos, formada de maneira regular pela prática discursiva e indispensável para a construção de uma ciência, mesmo que não necessariamente a sua origem, pode ser chamada de saberes”. Michel Foucault, Archéologie du savoir (Paris: Seuil, 1969), 238 (sublinhado no texto).
[6] Mencionamos de forma anedótica que um dos autores deste artigo passou cerca de 20 anos estudando o trabalho de L. S. Vygotsky, editando e comentando alguns de seus trabalhos em francês. Ver notavelmente Bernard Schneuwly e Jean-Paul Bronckart, eds, Vygotsky aujorud’hui (Paris: Delachaux et Niestlé, 1985). Bernard Schneuwly, “Les capacités humanies sont des construcions sociales. Ensaio sobre a teoria de Vygotsky, “Jounal European de Psychology of l’education 1 (1987): 5-17. Bernard Schneuwly, “Contradição e desenvolvimento: Vygotsky e pedologia”, European Jounal of Psychology of Education 9 (1994): 281-92. Michel Brossard e Bernard Schneuwly, editors, “Aprendizado e desenvolvimento: contribuições da teoria de Vygotsky”, European Journal of Psychology of Education 9 (1995) (edição especial).
[7] Informações biográficas sobre Calaparède são encontradas em Daniel Hameline, “Edouard Claparède (1873-1940)”, Perspectives XXII (1993): 161-73; Carlo Trometta, Edouard Claparède: la famiglia, l’infanzia, glie studi, bibliografia (Roma: Bulzoni, 1976); Carlo Trombetta, Edourad Claparède psicologo (Roma: Armando, 1989). E em Vygotsky, em Angel Rivière, L’Ouvre de Vygotsky (Bruxelas: Mardaga, 1991); René Van der Veer e Jan Valsiner, Entendendo Vygotsky: A Quest for Synthesis (Osford: Osford University Press, 1991); Gita L. Vygodskaja e Tamara M. Lifanova, Lev Semjonovic Vygotskyj. Leven – Tätigketi – Persönlichekeit (Hamburgo: Kovac, 2000). Por simplicidade, unificamos a escrita do nome “Vygotsky” no presente texto em inglês, incluindo as referências bibliográficas.
[8] Trombetta, Edouard Claparède, fez um inventário extremamente detalhado de todos os manuscritos e escritos publicados por Claparède. Esses textos podem ser acessados em várias bibliotecas e arquivos em Genebra.
[9] T.M. Chalevitch, “Bibliografia trodov L. S. Vygotskogo” [Bibliographie des ceuvres de Vygotsky], Voprossy psichologii 3 (1974): 152-60, produziu uma bibliográfica completa dos escritos de Vygotsky no 40º aniversário de sua morte. Esta bibliografia foi republicada em vários trabalhos, o mais recente em Vygodskaja e Lifanova, Lev Semjonovic Vygotskyj, com algumas adições. Onde eles existem, citamos traduções dos textos de Vygotsky para um idioma da Europa Ocidental.
[10] Edouard Claparède, L’association des idées (Paris: Doin, 1903). Para uma avaliação do texto, ver Jean Piaget, “La psychologie d’Edouard Claparède,” Archives de psychologie 28 (1941): 193–213.
[11] Lev Semionovitch Vygotsky, O significado histórico da crise da psicologia (Neuchâtel et Paris: Delachaux et Niestlé, 1927/1999). Mencionamos de forma anedótica que Vygotsky se refere em muitas ocasiões aos trabalhos de Claparède no contexto da teorização psicológica, particularmente à sua teoria da consciência, da formação de hipóteses e da distinção entre emoções e sentimentos. Por outro lado, Claparède nunca citou Vygotsky e parece não o ter conhecido. Além disso, exceto um artigo sobre desenvolvimento cultural infantil publicado em 1927, e um artigo – muito mal traduzido para o francês – proposto para o Congresso de Psicologia Aplicada de Barcelona, em 1930, no qual Claparède compareceu, mas Vygotsky não, nenhum texto de Vygotsky era acessível em qualquer idioma que não fosse russo, mas Claparède aparentemente não se deixou levar por barreiras linguísticas e manteve relações estreitas com vários colegas da Europa Oriental, aos quais também estava ligado por meio de sua esposa, Hélène Claparède-Spir, da Ucrânia, cujo avô era russo.
[12] A necessidade contínua de redefinir as fronteiras de seu campo de ação científica - uma característica comum a ambos - é também uma indicação e um efeito de seu envolvimento em diversos campos sociais, científicos e profissionais, que estão sempre mudando e impondo reajustes contínuos. Vygotsky chegou a dedicar uma lição de seu último curso de 1933 a 1934 em Leningrado. Veja o capítulo 1 das lições de pedologia "Pedologia como disciplina", em L.S. Vygotsky, Lektii pedologii [Lições sobre pedologia] (Ijevsk: University Press Outmourti, 1996).
[13] Vygotsky, La signification historique de la crise, ch. IV.
[14] Claparède, Education fonctionnelle, 181.
[15] Em suas expressões, vemos a profunda influência do pragmatismo em Claparède, um discípulo de Flournoy, ele próprio amigo de William James. O próprio Claparède reconheceu sua dívida com esse fundador do pragmatismo em um artigo escrito sobre a morte do filósofo. Como veremos mais adiante no presente texto, Claparède também foi fortemente influenciado por outro grande pragmatista, John Dewey.
[16] Claparède, Education fonctionnelle, 121.
[17] O ano de 1905 é a data da primeira edição de sua Psychologie de l'enfant et pédagogie expérimentale. Em 1912, seu importante artigo apareceu: Edouard Claparède, “Jean-Jacques Rousseau et la conception funtionnelle de l’enfance”, Revue de Métaphysique et de Morale 20 (1912): 391–416 e seu texto programático: Edouard Claparède, Un Institut des Sciences de l'education et les besoins auxquels il répond (Genève: Kündig, 1912).
[18] Com o seu colaborador Emmanuel Duvillard, professor-investigador, escreveu um curso para o ensino do francês, hoje infelizmente desaparecido. Um esboço disso é encontrado em Emmanuel Duvillard, Les tendances atuelles de l’enseignement primaire (Neuchâtel: Delachaux et Niestlé, 1920).
[19] Seria interessante aqui entrar nos motivos da desconfiança de Claparède na gramática, além de seu objetivo utilitário. Mostramos em outro lugar que se poderia identificar basicamente pelo menos duas razões, que também estão relacionadas. Uma é a teoria da expressão imediata do pensamento na linguagem; a forma linguística é assim minimizada; apenas o vocabulário é levado em consideração. A outra é a ausência de uma teoria da expressão, como propõe, por exemplo, o contemporâneo genebrino de Claparède, Bally, a saber, a produção da linguagem definida por parâmetros de comunicação. Ver Bernard Schneuwly, "La psychologie appliquée à l’enseignement du français: l’exemple de Claparède," Histoire, épistémologie, langage XVII (1995): 143-61. Vamos olhar um pouco à frente: talvez o fato de Vygotsky ter trabalhado extensivamente sobre a complexa relação entre pensamento e linguagem e a determinação do pensamento pela forma linguística o tenha tornado mais sensível à importância do conhecimento sobre a linguagem.
[20] Claparède, Education fonctionnelle, 209.
[21] Aqui tomamos como base o texto de seu programa de 1912 e as extensas análises biográficas e bibliométricas descritas em Rita Hofstetter, Genève, vivier des sciences de l’education (Genève: Droz, 2009).
[22] Esse paradigma está na base do que Claparède - um dos primeiros a fazê-lo - chamou de “psicopedagogia”, que ainda hoje domina amplamente a pesquisa nas ciências da educação.
[23] Isso poderia explicar o que observamos anteriormente: outra concepção de ciência aplicada opera com Vygotsky. Para ele, não se tratava tanto de aplicar os conceitos de uma teoria no campo prático - por exemplo, a teoria do brincar no ensino - mas de tornar o próprio ensino objeto de pesquisa, de integrar o fenômeno do ensino na própria base da teoria do desenvolvimento. Isso transforma e amplia a teoria do desenvolvimento para uma perspectiva histórica; e, inversamente, permite que o ensino receba o status de uma forma historicamente particular de educação em consonância com o desenvolvimento (artificial). Bronckart logo perceberia as consequências para a psicologia dessa dimensão do trabalho de Vygotsky ao apontar: “A escola é o lugar para a psicologia, porque é o lugar para o aprendizado e a gênese das funções mentais”. (ênfase no original) (Jean-Paul Bronckart, "Vygotsky, une œuvre en devenir", em B. Schneuwly e J.-P. Bronckart, eds, Vygotsky aujourd’hui, 19).
[24] Não podemos desenvolver este argumento aqui. Um exemplo particularmente interessante desse efeito é o conceito de “ambiente” como um conceito fundamental da disciplina de “pedologia”. Veja Vygotsky, Lektii pedologii, cap. 4.
[25] Vygotsky, La signification de la crise, 243.
[26] Claparède, Education fonctionnelle, 125.
[27] Claparède, Un institut des sciences de l’éducation and “Jean-Jacques Rousseau et la conception fonctionnelle”.
[28] Veja, por exemplo, a observação do livro III de Emílio: “Quem pode negar que os eruditos sabem mil coisas verdadeiras que os ignorantes nunca saberão? São os aprendidos, portanto, alguma verdade mais próxima? Pelo contrário, quanto mais avançam, mais se distanciam dela. Visto que a vaidade de seus julgamentos supera sua iluminação, cada verdade que eles aprendem vem à custa de uma centena de falsos julgamentos. Todos sabem que as sociedades eruditas da Europa nada mais são do que escolas públicas para mentir; e certamente há mais erros na Academia de Ciências do que em toda uma tribo de índios Huron. Porque quanto mais os homens sabem, mais eles se enganam, o único meio de evitar o erro é a ignorância” (Jean-Jacques Rousseau, Emile ou de l’éducation (Paris, 1762 / s.d), 229-30).
[29] Claparède, Education fonctionnelle, 124.
[30] Vygotsky, “A alteração socialista”, 179. Ou: Vygotsky, “Para Tolstoy e para Rousseau, a criança constitui o ideal de harmonia, e toda a educação subsequente apenas estraga a criança,” Educational Psychology, 347.
[31] Vygotsky, Psicologia educacional, 348.
[32] Ibid., 350.
[33] Ver Dominique Ottavi, De Darwin à Piaget. Pour une histoire de la psychologie de l’enfant (Paris, 2001).
[34] “Abstrakte Negation” e “bestimmte Negation”: este par de termos é discutido notavelmente na interpretação marxista da tradição hegeliana. Referimo-nos aqui particularmente ao de Wolfgang F. Haug, Bestimmte Negation (Frankfurt: Suhrkamp, 1973), que interpretou certas formas de radicalismo revolucionário como uma negação abstrata, resultando em uma postulação da necessidade de outro mundo, que concebe o que é dado como bastante fixo, firme, indiferenciado, sem contradição perante o qual há necessidade do “tout autre”, um mundo completamente outro; assim, ele critica, por exemplo, o existencialismo e a concepção de Marcuse. A negação determinada, forma particular da noção hegeliana de “aufheben”, vê o objeto a ser transformado como diferenciado, contraditório e contendo possibilidades de se transformar.
[35] Do francês: “de outros”.
[36] Michael Glassman, "Dewey e Vygotsky: Sociedade, experiência e investigação na prática educacional", Educational Researcher 30 (2001): 3-14, 12. Veja para um comentário nas mesmas linhas das observações presentes: Margaret Gredler e Carole Shields, “Ninguém lê as palavras de Vygotsky? Comentário em Glassman”, Educational Researcher 33 (2004): 21-25.
[37] Seria interessante aqui também analisar o modelo de pesquisa científica proposto por Dewey. Nossa hipótese é que, embora se possa observar uma certa proximidade entre ele e Claparède no que diz respeito ao saber a ensinar, Dewey - ver John Dewey. As fontes de uma ciência da educação (Nova York, 1929) - dificilmente se inclina para uma posição aplicacionista como defendida por Claparède, e depois dele Piaget. Parece-nos que ele é mais devoto de uma terceira variante que poderia ser chamada de ‘disciplinar’ e que Buyse chamou de “pedagogia experiente”: a experiência em ação de soluções educacionais.
Autor notes

Rita.Hofstetter@pse.unige.ch

Buscar:
Contexto
Descargar
Todas
Imágenes
Modelo de publicação sem fins lucrativos para preservar a natureza acadêmica e aberta da comunicação científica
Visor móvel gerado a partir de XML JATS4R