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FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA, LICEU DE COIMBRA (1937-1947)[1]
Ana Elisa Esteves Santiago
Ana Elisa Esteves Santiago
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA, LICEU DE COIMBRA (1937-1947)[1]
MATHEMATICS TEACHER TRAINING, Lyceum of Coimbra (1937-1947)
Revista de História da Educação Matemática, vol. 6, núm. 3, 2020
Sociedade Brasileira de História da Matemática
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Resumo: Este texto tem como foco a formação de professores de Matemática, em Portugal, no período entre 1937 e 1947, num dos liceus ligados à formação de professores, o liceu D. João III, em Coimbra. Para tal iniciar-se-á com uma breve explicação do funcionamento do sistema de formação inicial de professores nessa época para depois referir os trabalhos elaborados pelos professores estagiários, no âmbito do estágio, ao longo de cerca de 1 década: planos de aula, trabalhos temáticos, Ensaios Críticos. A análise centrar-se-á nos Ensaios Críticos, trabalho de grande importância para findar o Estágio Pedagógico. Através da pesquisa documental, nomeadamente legislação, arquivos do liceu e da universidade foi possível identificar os trabalhos realizados pelos professores estagiários de Matemática e a sua análise permite caraterizar parte da formação inicial de professores de Matemática da época. Os Ensaios Críticos estavam divididos em duas partes: a primeira de cariz teórico e a segunda continha os planos de aula relativos ao tema explorado na primeira parte. A primeira parte permite-nos perceber as temáticas que eram alvo de interesse e preocupação por parte dos professores supervisores dos estágios – o professor metodólogo - e a segunda parte permite-nos perceber a estrutura utilizada na época para planificação da aula.

Palavras-chave: Formação Inicial de Professores, Matemática, Estágios, Liceu D, João III.

Abstract: This text focuses on the training of mathematics teachers, in Portugal, in the period between 1937 and 1947, in one of the high schools linked to the training of teachers, the high school D. João III, in Coimbra. To this end, we will start with a brief explanation of the functioning of the initial teacher training system at that time and then refer to the works developed by the trainee teachers, within the scope of the internship, over about 1 decade: lesson plans, assignments thematic, Critical Essays. The analysis will focus on Critical Essays, work of great importance to end the Pedagogical Internship. Through documentary research, namely legislation, high school and university archives, it was possible to identify the work carried out by mathematics trainee teachers and its analysis allows to characterize part of the initial training of mathematics teachers at the time. The Critical Essays were divided into two parts: the first of a theoretical nature and the second contained the lesson plans related to the theme explored in the first part. The first part allows us to understand the themes that were the target of interest and concern on the part of the supervisors of the internships – the methodological teacher - and the second part allows us to understand the structure used at the time for lesson planning.

Keywords: Initial Teacher Training, Mathematics, Stages, Lyceum D, João III.

Carátula del artículo

DOSSIÊ - HISTÓRIAS DE UMA CONSTITUIÇÃO DE SABERES MATEMÁTICOS NO ENSINO

FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA, LICEU DE COIMBRA (1937-1947)[1]

MATHEMATICS TEACHER TRAINING, Lyceum of Coimbra (1937-1947)

Ana Elisa Esteves Santiago
Escola Superior de Educação, Instituto Politécnico de Coimbra, Portugal
Revista de História da Educação Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática, Brasil
ISSN-e: 2447-6447
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 6, núm. 3, 2020

Recepção: 19 Julho 2020

Aprovação: 11 Agosto 2020


INTRODUÇÃO

A história das disciplinas escolares (Chervel, 1990; Pinto, 2014) permite-nos adquirir outra visão acerca dos conteúdos escolares. Almeida et al. (2014) apresentam toda a legislação e programas de matemática para o ensino não superior, entre 1835 e 1974, abordando a matemática escolar do ensino primário, preparatório, liceal e técnico, em Portugal. No entanto, uma disciplina escolar não é constituída apenas por conteúdos programáticos e legislação (Pinto, 2014) estes são os meios utilizados para um fim. Neste processo o ator principal é o professor, sendo de grande importância a profissionalização docente. Matos (2018) apresenta uma abordagem histórica da formação de professores que ensinam Matemática, em Portugal, analisando o percurso da profissionalização do professor que ensina matemática e as suas transformações.

Os trabalhos de Deborah Ball (Ball (2002), Ball et al. (2005), Ball et al. (2008)), seguindo Shulman (1986), referem que o conhecimento profissional do professor está dividida em duas grandes áreas: conhecimento do conteúdo e conhecimento pedagógico do conteúdo.

Em Portugal, no que diz respeito ao ensino liceal, observou-se durante o século XIX e XX, um conjunto de sucessivas mudanças governativas que foram influenciando o sistema de ensino. A partir de 1830, Paços Manuel, Ministro da Instrução Pública, tomou uma série de providências no que diz respeito à instrução secundária, procedendo à criação dos liceus (Diário do Governo 275, 19/11/1836).

Assim, durante o século XIX, o ensino liceal, que se seguia ao ensino primário, foi sofrendo alterações e inúmeras regulamentações chegando ao final do século já uma estrutura bem definida com disciplinas, carga horária e programas para cada uma das disciplinas, entre outros (Aires et all, 2014; Carvalho, 1985).

A par com a estruturação do ensino liceal vai ganhando destaque a necessidade de uma formação de professores, no entanto, apenas em 1894-1895, com a reforma do ensino liceal levada a cabo por Jaime Moniz, se prevê a criação de um dispositivo de formação de professores (Pintassilgo et all, 2010).

É lançado já no século XX, entre 1901 e 1902, o Curso de Habilitação para o Magistério Secundário. Uma década depois, em 1911, é criada uma nova estrutura de formação de professores e são fundadas as Escolas Normais Superiores que se mantém em funções até 1930, ano em que são extintas durante a Ditadura Militar (Pintassilgo et all, 2010; Santiago et all., 2018; Santiago et all., 2018a).

Nesta data é criado o curso de Ciências Pedagógicas cujo modelo se mantém durante cerca de 40 anos, sofrendo algumas alterações nomeadamente em 1934, 1947, 1956, 1957 (Almeida, 2018). Este é o modelo que vigora durante o período em análise neste texto.

Seguindo uma metodologia de investigação histórica, através da análise documental, na primeira parte deste texto, caracterizar-se-á o modelo de formação de professores de Matemática dos Liceus no período a que diz respeito este estudo (1937-1947). De seguida o texto focar-se-á na análise de um dos trabalhos levados a cabo pelos professores estagiários num dos dois anos que durava o estágio no Liceu D. João III, em particular o Ensaio Crítico, trabalho de grande importância no final da formação inicial de professores do ensino liceal, em Portugal.

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES ENTRE OS ANOS 30 E 60 DO SEC. XX

Em 1930, surge um novo sistema de formação de professores, através do documento que extingue as Escolas Normais Superiores, tendo como propósito principal a divisão entre a cultura pedagógica e a prática pedagógica (Almeida, 2018; Santiago, 2018).

Assim ruíram por terra anteriores expectativas de uma formação que articulasse cultura e prática pedagógicas, para já não falarmos de uma articulação entre formação de especialidade e formação pedagógica. (Pardal, 1992, p. 47).

Neste modelo (Decreto nº 18973, 16/10/1930) o curso de Formação de Professores do Ensino Secundário era constituído por duas partes, a primeira designada Cultura Pedagógica, com a duração de um ano, ministrada nas Faculdades de Letras das Universidades de Lisboa e de Coimbra, na 3ª secção – de Ciências Pedagógicas. A segunda parte, designada por Estágio, com a duração de dois anos era realizada nos liceus normais: Pedro Nunes, em Lisboa e Júlio Henriques (Posterior Liceu D. João III e atual Escola Secundária José Falcão), em Coimbra e, mais tarde também no Liceu D. Manuel II, no Porto.

Da primeira parte, Cultura Pedagógica, faziam parte seis disciplinas: Pedagogia e Didática, História da Educação, Organização e Administração Escolares, Psicologia Geral, Psicologia Escolar e Medidas Mentais e Higiene escolar. Todas as disciplinas eram anuais, exceto a última que era semestral. Era habitual os alunos realizarem a parte da Cultura Pedagógica ao longo do seu curso superior, uma vez que este poderia ser frequentado por alunos que possuíssem o Curso Complementar de Letras ou de Ciências dos liceus (Art.º 3º do Decreto nº 18 973, de 16/10/1930), (Pintassilgo e Teixeira, 2011, 2011a).

O Estágio, como já foi referido, tinha a duração de dois anos: o primeiro ano era dedicado à assistência a lições-modelos e o segundo ano dedicado à lecionação, sob direção do metodólogo e sob a fiscalização deste professor e dos outros do liceu, além do reitor. Apenas poderiam frequentar o primeiro ano do estágio os alunos com uma licenciatura de quatro anos concluída. Neste ano, após a assistência a lições-modelo era feita a sua discussão em conferência, pelo professor metodólogo, e por todos os estagiários (Art.º 13º do Decreto nº 18 973, de 16/10/1930).

Em relação ao segundo ano, para proceder à matrícula, era necessária aprovação às disciplinas da Cultura Pedagógica e classificação não inferior a 10 valores nos exercícios do primeiro ano. Durante este ano os estagiários lecionavam, sob orientação do professor metodólogo.

Findo o segundo ano do estágio, com classificação não inferior a 10 valores, os estagiários eram submetidos ao Exame de Estado. Esse exame era constituído por três provas pedagógicas: uma Prova escrita, um Ensaio Crítico e uma Lição. Assim, considerando o papel de destaque que o Ensaio Crítico possui no âmbito do Exame de Estado, este será o foco deste artigo. O júri para o Exame de Estado era constituído por cinco elementos: um professor do ensino superior, que seria o Presidente; e por quatro professores efetivos dos liceus, sendo um destes o metodólogo do grupo. Deveriam estar representados no júri todos os grupos da respetiva secção (Decreto n.º 24 676, de 22/11/1934).

O professor metodólogo, no âmbito do estágio, era um elemento de grande relevo sendo nomeado pelo Ministério da Instrução Pública, sob proposta dos reitores dos liceus normais. O Governo procedia, pois, à nomeação de nove professores metodólogos, um para cada grupo disciplinar, para cada um dos liceus onde havia formação de professores. A nomeação tinha a duração de 5 anos. Como requisitos para o cargo, o professor teria de ser efetivo dos quadros dos liceus, com pelo menos 5 anos de serviço e classificação profissional não inferior a 16 valores.

Este modelo de formação de professores caracteriza-se por servir os objetivos sociopolíticos do Estado Novo uma vez que procura fazer do professor um agente da sua ideologia, mantendo-se em vigor até 1971, ano em que foi criado o Ramo de Formação Educacional nas Faculdades de Ciências (Pardal, 1992).

O LICEU D. JOÃO III EM COIMBRA

Como foi referido inicialmente, Paços Manuel teve um papel marcante no que diz respeito ao ensino liceal. Criou o Liceu de Coimbra (atualmente a Escola Secundária José Falcão), por decreto, publicado no Diário do Governo de 19 de Novembro de 1836. Para além do Liceu de Coimbra, foram também criados o Liceu de Lisboa e o Liceu do Porto.

Após a implantação da República, o liceu toma o nome de Liceu José Falcão (1914). No entanto, tendo em conta o grande aumento da população escolar, foi criado em Coimbra, em 1928, o Liceu Dr. Júlio Henriques, funcionando ambos no Colégio de S. Bento. Em 1936 dá-se a fusão dos dois liceus originando o Liceu D. João III, para o qual foi construído um edifício de raiz (Figura 1). Essa designação mantém-se até 25 de Abril de 1974, quando passa para a atual denominação, Escola Secundária José Falcão.


Figura 1
Liceu D. João III.
Fonte: Acervo do autor.

Durante mais de três décadas, o Liceu D. João III foi um dos dois ou três liceus de formação de professores. Entre o final dos anos 30 e 1947 apenas existia mais um liceu que fazia formação de professores, o Liceu Pedro Nunes, em Lisboa e entre 1947 e 1956, o Liceu de Coimbra era o único no país a fazer formação de professores. Entre 1956 a 1969, o estágio apenas se podia realizar em três liceus: no de Coimbra, no de Lisboa e no Liceu D. Manuel II, do Porto.

Uma vez que o edifício data de 1936 e, desde então, sofreu escassas intervenções, tem sido possível preservar grande parte do acervo, nomeadamente os documentos produzidos e utilizados pelos professores metodólogos e respetivos estagiários. Estes documentos encontram-se acessíveis no arquivo da biblioteca e, através da sua análise, foi possível perceber como decorreram os estágios, o género de trabalho desenvolvido pelos professores estagiários, bem como as preocupações sentidas em cada época, no que diz respeito ao ensino/aprendizagem da matemática, durante mais de 3 décadas.

Foram localizados no arquivo da Biblioteca da atual Escola Secundária José Falcão, entre outros, os trabalhos desenvolvidos pelos professores estagiários durante os 2 anos que durava o estágio no liceu, identificando trabalhos de 67 estagiários, os primeiros datam de 1937, ano posterior à criação do Liceu Dom João III e os últimos datam de 1973. Os trabalhos são de distintos géneros: Planos de Lição, Relatórios, Palestras Pedagógicas, Ensaios Críticos para o Exame de Estado do Magistério Liceal e Trabalhos Temáticos, feitos individualmente ou em grupo. Nem todos os estagiários apresentam os mesmos trabalhos e, ao longo do período em estudo, os que foram localizados e que terão sido entregues possuem caraterísticas distintas que serão alvo de análise.

TRABALHO DESENVOLVIDO PELOS ESTAGIÁRIOS – ENSAIO CRÍTICO

Procurar-se-á agora fazer uma análise aos 16 Ensaios Críticos produzidos pelos estagiários de Matemática, encontrados no espólio do Liceu D. João III, entre 1937 e 1947. Como já foi referido, o Ensaio Crítico era uma das provas do Exame de Estado, realizado no final do Estágio Pedagógico e consistia num trabalho escrito acerca do ensino de um ponto concreto do programa de uma das disciplinas do grupo. A legislação referia ainda que este deveria ser documentado com os planos de algumas lições e discutido, durante meia hora, por um dos vogais do júri (Decreto nº 24 676, de 22/11/1934), (Pintassilgo et all 2011, 2011a; Almeida, 2018).

Neste período apresentaram o Ensaio Crítico 16 estagiários, sendo que em cada ano letivo havia entre 1 e quatro professores estagiários.

A estrutura e os temas

Fazendo uma breve análise ao título dos trabalhos, verifica-se que a maioria – 10 dos 16 trabalhos – refere “Considerações sobre...”, “O ensino de...”, “Estudo de ...” evidenciando, tal como menciona a legislação, ser acerca do ensino de um ponto concreto do programa (Tabela 1). Todos os trabalhos respeitam as diretrizes da legislação, apresentando uma parte acerca do ensino de um ponto concreto do programa de matemática e documentado com os planos de algumas lições, por norma 3 lições.

Quadro 1
Título dos Ensaios Críticos, entre 1937 e 1947

Fonte: Elaborado pelo autor.

Até ao momento não foi possível localizar nenhum registo, como por exemplo atas do Exame de Estado, com informação acerca da posterior discussão, durante meia hora, por um dos vogais do júri.

Relativamente à estrutura, como foi referido, geralmente, os Ensaios Críticos começam com uma breve introdução onde é usual o autor apresentar fundamentar a escolha do tema do trabalho, bem como algumas considerações acerca do ensino da matemática, focando por vezes as dificuldades sentidas pelos alunos e elencando algumas justificações para tal. De seguida, na primeira parte, de cariz teórico, o estagiário foca-se no ensino do tema, apresentando toda a sua análise e sustentação teórica, dando a conhecer a sua opinião e apresentando algumas reflexões. Por fim, são apresentados os planos das lições relativos ao tema anteriormente abordado. Geralmente são planificações de três aulas, referindo o sumário, apresentação, processos e raciocínio, descrição da aula, objetivos, aplicações eobservações.

É de salientar que os trabalhos são maioritariamente datilografados, alguns esboços gráficos são feitos em papel milimétrico e colados ao longo do trabalho e apresentam, ainda, as respetivas referências bibliográficas, no final do trabalho ou no final da primeira aprte.

No que diz respeito ao número de páginas, este varia entre 42 e 128, sendo que até 1941 o número de páginas rondava o 50 e, a partir dessa data, o número de páginas foi aumentando para cerca do dobro.

No que diz respeito ao número de páginas, este varia entre 42 e 128, sendo que até 1941 o número de páginas rondava o 50 e, a partir dessa data, o número de páginas foi aumentando para cerca do dobro.

Fazendo uma breve análise aos temas dos Ensaios Críticos, estes percorrem os vários pontos do currículo de matemática, para o ciclo de ensino a que se destina: Geometria (5 trabalhos), Álgebra (4 trabalhos), Funções (2 trabalhos), Combinatória (2 trabalhos), Trigonometria (1 trabalho) e Topologia (2 trabalhos. Os trabalhos abarcam, portanto, os vários conteúdos do currículo de matemática do ensino liceal.

A justificação da escolha do tema, surgia logo no início e passava pelo interesse no tema por parte do estagiário, por sugestão do professor metodólogo, pela pertinência do tema, pelo facto de ser um tema pouco explorado do ponto de vista didático, pelas dificuldades que os alunos manifestavam no tema, entre outros.

O conteúdo

Nesta secção far-se-á uma análise mais aprofundada dos trabalhos, seguindo uma ordem cronológica. Para cada trabalho será indicado o tema, caraterísticas, estrutura e aspetos que mereçam apreciação do ponto de vista do conteúdo. É de referir que a maioria dos trabalhos apresenta referências bibliográficas tanto na área da matemática como na área da didática da matemática.

Os dois primeiros Ensaios Críticos localizados datam de 1937, portanto relativos ao ano letivo 1936/1937, ano em que o Liceu D. João III funcionou já nas novas instalações. Ambos os trabalhos são na área da Geometria: Um da autoria de Antónia da Luz Correia, intitulado “Considerações sobre a orientação de Métodos Geométricos Gerais” e o outro, da autoria de José Carneiro da Silva, com o título “Considerações sobre o ensino da geometria na primeira classe dos liceus”. Ambos os trabalhos são dactilografados.

Neste ano, os trabalhos desenvolvidos pelos estagiários para o Ensaio Crítico estavam centrados no tema Geometria e ambos apresentam uma estrutura semelhante, respeitando a legislação. Observa-se que na primeira parte, para além dos fundamentos teóricos, os estagiários vão fazendo alguma reflexão ou, de certa forma, manifestando a sua opinião acerca da importância e da abordagem do tema em aula. Correia (1937, p. 3) refere que “os problemas geométricos que não visam a aplicação e fórmulas, desempenham um papel importantíssimo no desenvolvimento do espírito de iniciativa, crítico, descoberta e inventivo” e acrescenta depois “É, precisamente, esta orientação que entendo dever ser dada ao ensino deste capítulo, pois, quanto maior número de problemas forem os alunos obrigados a resolver, tanto mais o seu espírito é orientado na escola do método a empregar (...)”(p. 5), salienta a importância das transformações de figuras e das relações entre figuras geométricas. Termina a parte introdutória referindo a importância de o professor fazer compreender a beleza e a perfeição da geometria e a sua importância para outras áreas, como por exemplo as belas artes e a indústria. Segue-se uma introdução histórica, o primeiro capítulo focado na orientação a seguir no estudo dos métodos gerais para demonstrar e resolver problemas de geometria, explicando depois os diferentes métodos, articulando conceitos matemáticos com a reflexão/opinião do autor.

Os planos de lição estão sustentados no que foi exposto na primeira parte, começando por apresentar o sumário, o método (analítico), o raciocínio utilizado (indutivo e dedutivo), o processo (discursivo, heurístico), os objetivos (Designados por “indicação do fim”). Depois o estagiário indica como irá fazer a apresentação do tema, a preparação, a lei geral, aplicação, terminando com o trabalho de casa, com uma nota ou observação.

Silva (1937) refere a importância da formação matemática do professor e do conhecimento da sua metodologia, indo depois abordar o ensino da geometria – ângulos – explicitando a metodologia a usar nas aulas e apresentando exercícios práticos, fundamentando a sua importância e explicitando os passos a seguir nas construções geométricas, como por exemplo, para construção da bissetriz de um ângulo. Seguem-se os planos de lição, contendo os itens seguintes: o assunto da lição, os métodos (heurístico e de laboratório), o modo (genético), material a empregar, preparação (contendo um conjunto de questões prévias à introdução do tema), apresentação, associação, recapitulação e aplicação. Os panos de aula são muito descritivos, explicitando cada momento da aula, como se observa no excerto a seguir (figura 2)


Figura 2
Excerto do plano de aula de Silva.
Fonte:Silva (1937).

Acrescenta, “Farei então com que todos os alunos verifiquem na sua construção se de facto esse ângulo, vale 90º. E esta proposição ficará assim estabelecida”, articulando a intuição com a verificação.

No ano letivo seguinte, 1937/1938, surgem Ensaios Críticos de dois estagiários. Um de Álvaro dos Santos Lemos, sobre o “Estudo do trinómio do 2º grau graficamente, aplicação das suas propriedades à resolução das desigualdades do 2º grau” e outro da autoria de Maria Luísa Hauët Leal, “Orientação a seguir nas primeiras lições de geometria demonstrativa”. Aqui, contrariamente ao ano anterior, não existe nenhuma relação entre os dois. Leal (1938) justifica logo na primeira página a escolha do tema, referindo:

Na escolha da natureza do assunto cuja metodologia devia tratar no “Ensaio Crítico” para de estado do magistério liceal, enveredei para o campo da Geometria, influenciada talvez, pelo lugar de relevo que nos últimos anos tem sido conferido ao estudo deste ramo das matemáticas, no ensino secundário. (Leal, 1938, p. 1).

O trabalho tem cerca de 50 páginas, sendo 40 relativas à primeira parte do trabalho, terminando com a bibliografia e as 10 últimas páginas relativas aos planos de lição. A estagiária começa por abordar o tema do ponto de vista cronológico, depois refere a abordagem deste no programa de matemática. Trata também as dificuldades a vencer no ensino da geometria lógica e apresentando sempre o seu ponto de vista relativamente ao assunto a tratar.

Os planos de lição apresentam a estrutura seguinte: sumário, método (dedutivo), processo (heurístico), preparação da lição, objetivo da lição, desenvolvimento, unificação da matéria e aplicação. Tal como no exemplo anterior, o desenvolvimento da lição está bastante explícito, como no exemplo apresentado a seguir (Figura 3):


Figura 3
Excerto do plano de lição de Leal.
Fonte:Leal (1938).

Também o ensaio Crítico de Lemos (1938) começa com a justificação da escolha do tema, colocando o título “Explicação Necessária”. Refere o estagiário que:

Com a reforma do ensino secundário de 14 de outubro de 1936, a Geometria Analítica deixou de fazer parte dos programas dos Liceus. Na referência a “Classificação de funções e representação gráfica de algumas funções”, deve encontrar-se pretexto para tocar, levemente, nas primeiras noções desse ramo tão interessante da matemática. (Lemos, 1938, p. I).

Termina esta parte referindo “Consigo, desta maneira, um duplo objetivo: Fazer o estudo dum assunto do programa que me é exigido, e tratá-lo de maneira original.”

Quanto à estrutura que apresenta, esta é muito semelhante à do anterior, cerca de 40 páginas para a primeira parte e 10 para a segunda parte.

Na primeira parte apresenta o estudo da parábola, começando com a definição “Parábola é o lugar geométrico dos pontos do plano equidistantes de um ponto fixo, e de uma reta fixa desse pano” (p. 1), passa ao traçado da parábola com auxílio de régua e esquadro, passa depois à dedução da equação da parábola, de seguida apresenta as suas propriedades e, na segunda parte, faz o estudo do trinómio, deduzindo às fórmulas de cálculo dos vértices. Os planos de lição apresentam a seguinte organização: objetivo, método (heurístico, expositivo), tipo (dedutivo), modo (genético), dados, enunciado e desenvolvimento, inferências e aplicações, tendo como suporte o que foi explanado na parte anterior.

No ano letivo seguinte, 1938/1939, o grupo de estagiários era composto por 4 elementos: João Manuel de Abreu Faria, Lúcia do Nascimento Mendes Ganilho, António Pacheco de Carvalho e Pina e Manuel Augusto da Silva. De referir Manuel Augusto da Silva foi o metodólogo que sucedeu a José Augusto Cardoso no Liceu D. João III.

Relativamente aos trabalhos desenvolvidos para o Ensaio Crítico, Ganilho desenvolveu um trabalho intitulado “Considerações sobre o ensino da Geometria Plana no terceiro ano”, neste trabalho, começa por abordar a geometria de uma forma genérica, aborda de seguida a Geometria no ensino Secundário, a criança na escola, o método no ensino da geometria, a demonstração na geometria, defende a utilização do método heurístico e sugere a seguinte estrutura para realização das demonstrações (fig. 4), argumentando que “Para que a criança se habituar a ser precisa e clara, entendemos que o melhor meio é dar às demonstrações a seguinte disposição” (Ganilho, 1939, p.13):


Figura 4
Disposição para as demonstrações de Ganilho
Fonte:Ganilho (1939).

Esta disposição para as demonstrações é a que a estagiária utiliza posteriormente para demonstrar algumas proposições. De forma semelhante aos estagiários anteriores, as últimas 10 páginas são destinadas aos planos de lição. Estes são bastante detalhados, referindo as questões a colocar aos alunos, os esclarecimentos a fazer, entre outros (fig.5). Vejamos um exemplo a seguir:


Figura 5
Parte de um plano de aula de Ganilho
Fonte:Ganilho (1939)

O trabalho de Faria (1939) foca-se na representação gráfica de funções para o 6º ano. Na introdução apresenta a seguinte citação de Gall “O gráfico esta para o problema assim como o plano do arquiteto está para a casa que se edifica; é tão indispensável ao calculador como uma carta ao turista e ao geógrafo”, de seguida centra-se nos métodos de ensino, referindo e definindo o analítico, sintético, dedutivo, indutivo, socrático, heurístico e laboratório. Justifica a escolha do tema para o Ensaio Crítico e acrescenta que “por meio da representação gráfica de funções teremos ocasião de objetivar algumas noções fundamentais em Álgebra”. Justifica referindo que “No programa se indica que se deve fazer apelo à intuição geométrica e frisa que os conhecimentos adquiridos em Álgebra se devem fortalecer com a resolução de determinados problemas geométricos” (Faria, 1939, p. 6-7). Este trabalho está dividido em 5 capítulos: coordenadas cartesianas e gráficos de funções, gráficos lineares, gráficos quadráticos, aplicações e o último o capítulo contém os planos de lição. Todos os esboços gráficos são feitos em papel milimétrico, utilizando mais do que uma cor. É ainda de referir que o trabalho tem, no final, um aditamento que aborda as funções racionais.

Relativamente ao trabalho de Silva, cujo tema é “Considerações sobre o Ensino da Álgebra Elementar”, o estagiário começa por abordar no preâmbulo o ensino orientado ou o Ensino supervisado, referindo não se puder aplicar nos nossos liceus. No entanto acrescenta que “É da adaptação do ensino supervisado da matemática nos nossos liceus, e em especial da Álgebra Elementar, que tratarei no trabalho apresentado” (Silva, 1939, p. IV). Nas primeiras páginas o estagiário foca-se no ensino “supervisado depois aborda o programa, em particular a Álgebra, sob o ponto de vista desse tipo de ensino. Por fim apresenta os planos de aula para uma unidade: “Radicais”, repartindo a unidade em unidades de explicação. Para cada aula era referido o assunto, a lista de tempos para os 3 momentos de ensino supervisado (revisão, exploração e sessão de estudo), o método, apresentação e sessão de estudo.

Passando agora para o ano letivo 1940/1941, foram localizados o Ensaio Crítico de 3 estagiários: Maria Herculana Macedo Moreira Sales, Henrique Francisco dos Santos e António Augusto Lopes. É de destacar o último estagiário, António Augusto Lopes, que teve um papel marcante no ensino da matemática. Foi professor metodólogo no Porto, autor de manuais escolares, participou na reforma da Matemática Moderna, professor na Telescola, entre outros (Almeida, 2013). Numa primeira análise, observa-se que os trabalhos deste ano são mais extensos do que os anteriores.

O trabalho de Sales é acerca de “O ensino das áreas e volumes dos sólidos geométricos no 3º ano do liceu”. A estagiária justifica a escolha do tema pelo facto de estar a reger uma turma do 3º ano. Argumenta inicialmente que:

Muitas vezes, pela vastidão dos programas, e pela preocupação de habilitar os alunos para exame, não se tira do ensino da Matemática o proveito desejado, por não se empregar processos, talvez mais morosos, mas que correriam para um maior desenvolvimento mental dos alunos. (Sales, 1941, p. 2).

Especifica de seguida para a Geometria, referindo:

Assim, a Geometria, ramo da Matemática de maior valor educativo, ainda há bem poucos anos era ensinada quase sempre nos últimos dias do ano lectivo, apressadamente, sendo decoradas, por vezes sem serem compreendidas, as fórmulas e propriedades mais importantes para a resolução de problemas. (Sales, 1941, p. 2).

Depois refere as recomendações do programa relativamente ao ensino da Geometria “O ensino da geometria nos primeiros anos deve ser principalmente experimental, podendo no entanto fazerem-se algumas demostrações no 3º ano”. Argumenta o que vai apresentando referindo autores como Augusto Comte e Hadamard, Pestalozzi e Eggersdorf. Para além das fórmulas de cálculo de áreas e volumes, vai apresentando aplicações das fórmulas, bem como as construções e planificações de suporte que, posteriormente, são referidas no plano de aula. Os planos de aula começam com o objetivo da lição, processo de ensino (heurístico, intuitivo e experimental), preparação, apresentação, sistematização e aplicação.

No que diz respeito ao trabalho de Santos (1941), este intitula-se “Considerações sobre o ensino da Trigonometria”. Na primeira parte descreve a finalidade do ensino da Trigonometria, a extensão a atribuir ao programa de trigonometria e a orientação pedagógica. Referindo, para além das áreas que a utilizam, o papel a atribuir à trigonometria (figura 6):


Figura 6
Excerto do Ensaio Crítico de Santos
Fonte:Santos (1941).

Nas orientações pedagógicas sugere a execução de trabalhos em que se faça uso de instrumentos de medir ângulos, medir a altura de um edifício, entre outros.

Na segunda parte apresenta a parte teórica associada ao tema, e definições, explicações e exercícios de aplicação. As imagens e representações gráficas são construídas utilizando mais do que uma cor. À semelhança dos trabalhos anteriores, as últimas 10 páginas apresentam os planos de lição, estruturado da seguinte forma: assunto, tipo de lição, métodos (heurístico), modo (genético), objetivo, preparação, apresentação, unificação e aplicação,

O trabalho de Lopes (1941) é acerca de “Proporções e aplicações”. Este trabalho merece uma análise um pouco mais pormenorizada uma vez que apresenta algumas caraterísticas que o distinguem dos trabalhos anteriores. A primeira caraterística que destacamos é o facto de parte das páginas serem escritas a vermelho. A segunda caraterística é o facto de o estagiário começar por explorar, na primeira parte que designa por “Considerações Gerais” o significado de Ensaio Crítico, apresentando as seguintes conclusões:

a) - escolhido o ponto a tratar, um ensaio crítico é a análise dos processos pedagógicos posto em jogo no ensino e também da finalidade do próprio ensino.

b) - a execução de um ensaio crítico exige “indicação dos meios profiláticos correspondentes às faltas apontadas.

Nestes termos, parece-me fundamental indicar os pontos de vista que considere na análise correspondente ao ponto que escolhi – PROPORÇÕES E APLICAÇÕES. (Lopes, 1941, p. 1).

No final desta parte refere que no final do ensino liceal os alunos estão desprovidos para encetar a luta pela vida e acrescenta que uma das consequências do uso exclusivo do cálculo numérico é a reduzida utilização dos compêndios por parte dos alunos. Sugere “a execução de bons livros didáticos, não livros de pura doutrina e a obrigatoriedade de os alunos os usarem – pois, são indispensáveis num estudo sério e proveitoso” (Lopes, 1941, p. 5). Este parágrafo interessante uma vez que Lopes foi, posteriormente e durante muitos anos, autor de manuais escolares.

De seguida Lopes apresenta uma experiência pedagógica com o objetivo de esta documentar as afirmações anteriores. Organizou uma prova de capacidade dividida em 3 partes que apresentamos a seguir (fig. 7):


Figura 7
Partes da experiência de Lopes.
Fonte: Lopes (1941).

Explica depois a forma como esta experiência foi realizada e quais as questões apresentadas aos alunos, seguida da análise das respostas, resumindo a informação num quadro que refere, para cada questão, o número de respostas certas, erradas e sem resposta e faz a análise dos resultados. No final apresenta as seguintes conclusões gerais, descritas em cinco pontos (fig. 8):


Figura 8
Conclusões Gerais de Lopes
Fonte:Lopes (1941).

Terminada esta parte relativa à experiência pedagógica, Lopes foca-se no ensino das proporções no 2º ano. Aborda três pontos: Razões, Proporções e Aplicações das proporções. Cada um destes pontos está dividido em duas partes: a primeira relativa à crítica pedagógica e a segunda apresenta a exposição do tema, seguida de exercícios. Contrariamente aos outros estagiários, no final não apresenta os planos de lição, apresenta sim os quatro capítulos com exposição do tema, problemas, exemplos e exercícios.

No ano letivo seguinte, 1941/1942, apenas foi localizado o ensaio Crítico de um estagiário, Alexandre Horácio da Silva Rodrigues, com o título “Ensino Genético-Formal dos números inteiros: Teoria operatória e divisibilidade em qualquer sistema de numeração”. Este trabalho é mais longo que os anteriores, uma vez que o tema a abordar é também bastante extenso. Tem uma primeira parte com 106 páginas e possui um apêndice com 11 páginas, sendo que o apêndice apresenta o plano da primeira lição de Aritmética Racional, indicando o sumário, considerações pedagógicas sobre o método, sendo que toda a aula é do género pergunta-resposta (Fig. 9).


Figura 9
Excerto do plano de aula de Rodrigues.
Fonte: Rodrigues (1942).

Entre 1943 e 1945, não foi localizado nenhum trabalho dos estagiários. Pressupõe-se que se deve ao facto de este período coincidir com o período final da II Guerra Mundial.

Após este curto período de interrupção dos estágios, foram localizados novamente trabalhos dos estagiários a partir de 1946, portanto relativos ao ano letivo 1945/1946. Neste ano identificaram-se dois estagiários: Alberto Dias Coimbra, que realizou o Ensaio Crítico acerca dos Complexos Poliédricos, e Alzira Bouchet Gomes Simões, que realizou o Ensaio Crítico acerca do Ensino da Análise Combinatória.

O trabalho de Coimbra (1946), intitulado por ele como “Ensaio Pedagógico e Crítico para Dissertação do Exame de Estado”, tem 80 páginas, distribuídas por 2 partes: a primeira onde são apresentadas considerações de abertura e a segunda acerca dos Complexos Poliédricos. Observa-se que este trabalho apresenta algumas características distintas dos analisados anteriormente. A primeira foi identificada no título, diz “Ensaio Pedagógico e Crítico”, enquanto que todos os outros referem apenas “Ensaio Crítico” e diz “para Dissertação do Exame de Estado” e os anteriores referem apenas “Exame de Estado”. A segunda característica diferente é o facto de, apesar da sua extensão, 80 páginas, não apresentar no final os planos de aula.

Nas primeiras seis páginas, intituladas Considerações de Abertura, o autor descreve ideias, a motivação, a intenção e as fontes. O estagiário evidencia os outros trabalhos feitos ao longo do estágio como a exposição de lições e acerca da posição das ciências matemáticas no ensino liceal, refere que “O ensino científico tem de ser, pois, preferível a um ensino de resultados e conclusões, um ensino de métodos e de atitudes” (p. II). Nas restantes páginas aborda os Complexos Poliédricos “Uma introdução à Teoria dos Poliedros com vista a uma apresentação elementar das noções fundamentais da Topologia”.

O trabalho de Simões (1946), acerca do Ensino da Análise Combinatória, tem cerca de 60 páginas, divididas por 3 partes. A autora faz uma breve introdução, depois descreve a notação e indica os compêndios utilizados, segue-se a parte teórica onde a estagiária apresenta as ideias gerais, a orientação do curso e as referências históricas, depois a parte prática tem três pontos, o primeiro relativo à teoria e prática, o segundo relativo à capacidade de pensar e realizar e o último com problemas. Por fim surgem dois planos de lição.

No ano letivo seguinte, 1946/1947, surgiram também Ensaios Críticos de duas estagiárias: Maria Helena da Costa Ferreira, acerca do ensino da Análise Combinatória e de Amélia Cecília Cunha da Rosa, sobre a apresentação da equação do 2º grau e biquadrada ao 7º ano.

Ferreira (1947) começa o seu trabalho com uma breve introdução, estando o restante trabalho dividido em duas partes: a primeira apresenta uma crítica ao programa do 3º ciclo e a segunda apresenta o ensino de dois pontos concretos do programa, subdividindo-se esta em quatro partes (considerações sobre o método adotado, parte teórica, referências históricas e parte prática). Termina com os planos de 3 lições e bibliografia.

O Ensaio Crítico de Rosa (1947) é um pouco mais extenso, contendo 128 páginas. Começa justificando a escolha do tema e apresenta uma estrutura semelhante aos outros trabalhos analisados.

De referir que os dois trabalhos deste ano são relativos ao 7º ano e justificam a escolha do tema, entre outros motivos, pelo facto se ser um tema importante na Universidade.

Este é o último ano em que o Ensaio Crítico faz parte do Exame de Estado.

A partir deste ano os trabalhos dos estagiários surgem algumas alterações, sustentadas na mudança de legislação (Decreto nº 36.508, Diário de Governo, 216 (17/9/1947), no entanto estes não serão estudados neste texto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através deste estudo, foi possível perceber a dinâmica da formação de professores entre a 1937 e 1947, como era feito o acesso ao estágio, como este se processava durante os dois anos da sua duração, como era constituído o Exame de Estado e em que liceus havia formação de professores de matemática, focando o papel do Liceu D. João III na formação de professores em Portugal.

Foi ainda possível caraterizar o trabalho desenvolvido pelos professores que realizaram o estágio entre os anos de 1937 e 1947. Em particular, através da análise do trabalho que desenvolviam no âmbito do Exame de Estado — o Ensaio Crítico.

Os aspetos tidos em consideração na sua análise foram a sua estrutura, os temas e os conteúdos dos trabalhos.

No que diz respeito à estrutura, observou-se que estes seguiam as orientações regulamentadas, contemplando as duas partes que estas referiam que o trabalho deveria possuir. Os Ensaios Críticos começavam por explicar a escolha do tema, que passava pelo interesse no tema por parte do estagiário, por sugestão do professor metodólogo, pela sua pertinência, pelo facto de ser pouco explorado do ponto de vista didático, pelas dificuldades que os alunos manifestavam no tema, pela sua importância no Ensino Superior, entre outros. Seguia-se a primeira parte onde o estagiário apresentava a descrição e crítica ao tema em questão, manifestando os estagiários o seu ponto de vista e explicações do que poderia mudar, articulando conhecimento do conteúdo e conhecimento pedagógico do conteúdo (Ball (2002), Ball et al. (2005), Ball et al. (2008)). Por fim, na segunda parte eram apresentados os planos de lição relativos ao tema, usualmente três planos. Estes eram bastante descritivos, com uma estrutura que foi variando de estagiário para estagiário, de uma maneira geral contemplavam o assunto ou sumário, tipo de lição, métodos, modo, objetivo, preparação, apresentação, unificação e aplicação. A apresentação era bastante extensa, descrevendo toda a orquestração idealizada para a aula, questões a colocar aos alunos, construções geométricas, entre outros.

Relativamente aos temas escolhidos para os Ensaios Críticos, estes foram percorrendo o currículo de matemática, do ensino liceal. Destacam-se os trabalhos na área da Geometria e da Álgebra, que surgiram em maior número, aparecendo em menor número trabalhos na área das Funções, Combinatória, Topologia e Trigonometria.

Quanto ao conteúdo dos trabalhos, observou-se que, na primeira parte, de cariz mais teórico, houve, por parte dos estagiários, preocupação em apresentar as referências bibliográficas utilizadas, sendo estas tanto na área da matemática como na área da didática da matemática, fundamentando esta primeira parte, tando do ponto de vista do conhecimento do conteúdo, como do ponto de vista do conhecimento pedagógico do conteúdo para ensinar matemática (Ball (2002), Ball et al. (2005), Ball et al. (2008).

No que diz respeito aos planos de aula que se seguiam à primeira parte, estes tinham como suporte teórico a primeira parte, havendo a cuidado de apresentar objetivos, método a usar, o modo, a forma como o tema seria introduzido e o seu desenvolvimento, a unificação do tema trabalhado e exercícios de aplicação.

Por fim, a análise dos Ensaios Críticos neste período, permitiu conhecer a dinâmica do estágio na época, temas trabalhados, forma como eram trabalhados, como eram planificadas as aulas e os aspetos a ter em consideração, contribuindo assim para a história da disciplina escolar de matemática e para o saber acerca da formação de professores de matemática, do ensino liceal, em Portugal.

LEGISLAÇÃO CONSULTADA

  1. Diário do Governo nº 275 de 19/11/1836

    Decreto nº 18 973 de 16/10/1930

    Decreto nº 24 676 de 22/11/1934

    Decreto nº 36.508 de 17/09/1947

Material suplementar
REFERÊNCIAS
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Notas
Notas
[1] “This work is supported by national funds through FCT – Foundation for Science and Technology, I. P., in the context of the project PTDC/CED-EDG/32422/2017”.
[2] Professora Adjunta Convidada da área da Matemática e Educação Matemática da Escola Superior de Educação, Instituto Politécnico de Coimbra, Portugal. E-mail: elisa_Santiago@hotmail.com

Figura 1
Liceu D. João III.
Fonte: Acervo do autor.
Quadro 1
Título dos Ensaios Críticos, entre 1937 e 1947

Fonte: Elaborado pelo autor.

Figura 2
Excerto do plano de aula de Silva.
Fonte:Silva (1937).

Figura 3
Excerto do plano de lição de Leal.
Fonte:Leal (1938).

Figura 4
Disposição para as demonstrações de Ganilho
Fonte:Ganilho (1939).

Figura 5
Parte de um plano de aula de Ganilho
Fonte:Ganilho (1939)

Figura 6
Excerto do Ensaio Crítico de Santos
Fonte:Santos (1941).

Figura 7
Partes da experiência de Lopes.
Fonte: Lopes (1941).

Figura 8
Conclusões Gerais de Lopes
Fonte:Lopes (1941).

Figura 9
Excerto do plano de aula de Rodrigues.
Fonte: Rodrigues (1942).
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