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MARIA MONTESSORI E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES: o que dizem as fontes italianas?
MARIA MONTESSORI AND TEACHER TRAINING: what do italian sources say?
Revista de História da Educação Matemática, vol.. 6, núm. 3, 2020
Sociedade Brasileira de História da Matemática

DOSSIÊ - HISTÓRIAS DE UMA CONSTITUIÇÃO DE SABERES MATEMÁTICOS NO ENSINO

Revista de História da Educação Matemática
Sociedade Brasileira de História da Matemática, Brasil
ISSN-e: 2447-6447
Periodicidade: Frecuencia continua
vol. 6, núm. 3, 2020

Recepção: 15 Julho 2020

Aprovação: 25 Julho 2020


Este trabalho está sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-Não Derivada 4.0 Internacional.

Resumo: Neste texto é apresentado um enredo acerca da circulação de Maria Montessori a partir de fontes localizadas na Itália, fruto de um estágio sanduíche cujo um dos objetivos foi de estabelecer fios narrativos que pudessem contribuir para melhor entender aspectos que estão relacionados à circulação de Montessori e o seu contexto de produção de saberes para a formação e o ensino nas primeiras décadas do século XX. É possível dizer, pós análise, que a sistematização da proposta de Montessori na forma escrita contribuiu para a divulgação do seu método, haja vista o “boom” pós publicação da Pedagogia Científica e das publicações de artigos de revistas por ela organizadas. Vale dizer, também, que os cursos de formação de professores ganharam, também, papel importante para a circulação do seu método, haja vista as convocatórias a Montessori feitas por parte do Estado, que podem ser consideradas como reconhecimento de uma expertise para responder à uma demanda prática à época.

Palavras-chave: Maria Montessori, Circulação, Formação de professores, Saber profissional, História da educação matemática.

Abstract: This text presents a plot about Maria Montessori circulation from sources located in Italy, the result of a doctoral internship whose objective was to establish narrative threads that could contribute to better understand aspects related to the Montessori circulation and its context of knowledge production for training and teaching in the first decades of the 20th century. After analysis, it’s possible to say that the systematization of Montessori's proposal in written form contributed to the dissemination of her method, considering the “boom” post-publication of Scientific Pedagogy and the publication of articles in pedagogical journals organized by her. It is also worth mentioning that teacher training courses also play an important role in the circulation of her method and the requests maded by the State to Montessori can be considered as recognition of an expertise to respond to a practical demand for teacher training at the time.

Keywords: Maria Montessori, Teacher training, Professional Knowledge, History of mathematics education.

INTRODUÇÃO

Este artigo faz parte do processo de produção de uma tese[3] que está em desenvolvimento no Programa de Pós-graduação em Educação e Saúde na Infância e na Adolescência da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Campus Guarulhos. Nessa pesquisa maior o objetivo é analisar que demandas passaram a ser colocadas para a formação do professor que ensina matemática (Aritmética e Geometria) nos primeiros anos escolares a partir das orientações de Maria Montessori nas primeiras décadas do século XX.

O caminhar da elaboração da tese mostrou que, a partir de resultados publicados anteriormente[4], é possível dizer que o uso de materiais manipuláveis foi uma demanda que Montessori pôs em circulação para a formação de professores à sua época. Mais que isso, com as análises já realizadas foi possível construir teoricamente o fato de que os materiais montessorianos podem ser tomados para além de um suporte didático-pedagógico, eles condensam saberes. Num dado tempo pedagógico constituem-se como uma ferramenta profissional do professor, de modo a materializar uma concepção de ensino e de aprendizagem (Rezende & Valente, 2020).

Entretanto, há aspectos que precisam ser melhor explicados de modo a estabelecer uma compreensão do contexto de produção desses artefatos escolares produzidos por Montessori e uma caracterização da circulação da concepção de ensino dessa médica e educadora. Pois, defende-se aqui que tratar desses elementos poderá contribuir para um entendimento do processo histórico da formação de professores e acerca da produção de saberes profissionais a partir das demandas que cada tempo histórico apresenta, em particular no contexto italiano.

Assim, de antemão, cabe dizer que a circulação é aqui entendida, a partir de Oliveira (2018), como o resultado do trabalho da junção de fios condutores que possibilitam identificar elementos próprios para elaborar argumentos para contar uma história tendo em vista o contexto de cada pesquisa.

Desse modo, neste texto é apresentado um enredo acerca da circulação de Montessori a partir fontes localizadas na Itália, fruto de um estágio/sanduíche[5] cujo um dos objetivos foi de estabelecer fios narrativos que pudessem contribuir para melhor entender aspectos que estão relacionados à circulação de Montessori e o seu contexto de produção de saberes para formar professores nas primeiras décadas do século XX.

O QUE DIZEM AS FONTES ITALIANAS?

Em 1859, na Itália, são fundadas as Escolas Normais pela lei Casati, que garantia os princípios de gratuidade e obrigatoriedade da instrução pública elementar, com uma duração de três anos. Divididas por gênero, as escolas normais tinham uma escassa qualificação cultural e profissional, haja vista as próprias condições em que foram criadas, como aponta Meda (2016), à época, por exemplo, cerca de 70% da população italiana vivia no campo e as escolas criadas possuíam limitação de recursos, o que implicava em questões de materiais escolares (cadeiras, mesas, livros etc) insuficientes e, de outro lado, a necessidade de melhor preparar os professores e o ambiente escolar, como, por exemplo, a produção de mobília escolar que considerasse as características das crianças.

Ainda assim, podem ser tomadas como o principal veículo de habilitação para o ensino fundamental inferior (os primeiros dois anos do ensino fundamental) e para o ensino fundamental superior (seguintes três anos do ensino fundamental). E ao longo de quarenta anos sofreram mudanças, a última no ano 1896, cujo objetivo foi de melhor qualificar a formação de professores para atuar no ensino dos primeiros anos escolares. A lei Gianturco cancelou a distinção entre patente di grado inferiore e patente di grado superiore. A duração do curso era de três anos. Demais tempo para disponibilizar professores e enfrentar a emergência de “maestri” e “maestre” ao longo das primeiras décadas pós unificação. Por isso foram criados itinerários mais breves: scuole magistrali, de um ano, e conferenze magistrali de seis meses, e cursos diversos de especializações (trabalho manual, ginastica etc) (Pesci, 1966).

Nesse contexto outro aspecto que deve ser destacado é o de que se pode considerar como complicada a condição para formar professoras. As mulheres não podiam acessar ao ensino secundário clássico. Somente a partir do ano 1875 foi possível para uma mulher inscrever-se no ginásio-liceu. Para garantir uma melhor preparação profissional para ensinar nas escolas elementares e para assegurar a formação de professoras para escolas normais femininas o governo criou, pela lei 25 de junho de 1882 n. 896, os regi istituti superiori di magistero femminile. Foram fundadas dessas escolas superiores na cidade de Roma e Firenze (Covato & Sorge, 1994).

Esses são alguns exemplos de demandas práticas que passaram a ser tratadas no contexto italiano. Era necessário promover a criação de escolas rurais, formar professores e professoras para isso, aumentar o número de alfabetização da população e debater questões de gênero como forma de quebrar paradigmas. Dito de outro modo, estava sendo posto em discussão uma diferente organização de como formar e de como ser professor, novos saberes profissionais estavam sendo exigidos por essas novas demandas.

Nesse sentido, foi durante esse período, entre o final do século XIX e o início do XX, que se iniciou o itinerário de Maria Montessori como professora. Diversas foram as experiências. Segundo Pesci (1966), em primeiro lugar em contexto institucional foi o Regio Istituto Superiore di Magistero Femminile di Roma. Montessori foi chamada por decisão e autorização do ministro Baccelli para ensinar Igiene e Antropologia nos anos eletivos 1899-1900, 1900-1901 e 1901-1902, e contratada definitivamente no dia 31 de outubro de 1902. A decisão foi contestada tempo depois por parte do Comitê científico da escola, haja vista a ausência de títulos para ensinar tais disciplinas, pois, a médica possuía a graduação em Medicina e Chirurgia, o que foi considerado como insuficiente para as especialidades inicialmente demandadas.

Nessa época Montessori já possuía contato com a pedagogia científica. A médica e educadora desenvolveu trabalhos com o professor Giussepe Sergi[6] e, a partir de 1903, focou e aprofundou o aporte na renovação da pedagogia em perspectiva científica. Foi nesse ano que ela publicou L’Antropologia pedagogica para participar do edital para conseguir o título de libera docenza que havia sido questionado pelo comitê científico da instituição que trabalhava (Tornar, 2007).

No ano 1900, de acordo com Barausse (2004), a professora iniciou também o ensino na Scuola magistrale ortofrenica. Essa escola foi fundada pelo médico Ferruccio Montesano e teve como seu alvo as crianças idiotas, imbecilli e tardivi. A sua origem se coloca no ano de 1891, pelo médico Antonio Gonnelli Cioni, para oferecer um suporte educativo para os meninos que eram classificados como frenastenici; à época, termos utilizados para crianças com problemas de desenvolvimento cognitivo.

Nesse sentido, de acordo com Bambini e Lama (2000), o trato com as questões de higiene e crianças com dificuldades no desenvolvimento cognitivo pode ser considerado como relativamente tardio na Itália, haja vista fatores políticos, sociais e científicos. Entretanto, ao longo do tempo foi sendo chamada a atenção pela medicina para medidas preventivas contra epidemias, mortalidade infantil e melhorias do contexto social como modo de qualidade de vida. Foi um movimento, no fim do século XIX, científico e social que reuniu o empenho não apenas dos médicos, mas, também, de professores. Era uma questão médico-antropológica que reverberou no surgimento dos estudos da pediatria e suas relações com o ambiente da formação de professores e do ensino. Em particular, um dos nomes de destaque nesse movimento é professor Giussepe Sergi. Professor que, de acordo com Barausse (2004), apresentou Maria Montessori para substitui-lo na disciplina de Antropologia Pedagógica, logo depois dela ter cursado tal disciplina nos anos de 1906 e 1907.

Os seus estudos acerca da pedagogia científica e suas experiências docentes fizeram, a partir do ano 1907, Montessori diminuir suas atividades como professora em outras instituições, pois, nesse ano, ela passou a dedicar-se ao seu novo projeto: a Casa dei Bambini. Local que pode ser considerado como o seu “laboratório de estudos”. Está localizada na Via dei Marsi, 58, Roma, Itália, e que até hoje possui uma parte destinada ao trato com a formação de professores (figura 1).


Figura 1
Casa dei Bambini
Fonte: Acervo particular dos autores.

A denominação de “laboratório” se dá pelo fato de que nessa instituição que Montessori ministrou cursos de formação de professores e desenvolveu trabalhos realizados com crianças, tendo como base a liberdade delas, como seres ativos, ou seja, passou a dedicar-se às demandas que estavam sendo postas naquele contexto, como visto.

Foi na Casa dei Bambini que o Barão Leopoldo Franchetti realizou uma visita e teve contato com o trabalho de Montessori e, junto com a sua esposa Baronesa Alice Hallgarten, foram os responsáveis por convidar Montessori a realizar um curso de formação para os professores das escolas rurais da Villa Montesca, Città di Castelo, local que estavam realizando um projeto que tinha por objetivo o desenvolvimento da cidade com base na educação.

O barão Leopoldo Franchetti foi deputado durante o período de 1882 até 1904, e em 1909 se tornou senador. De acordo com Montecchi (2012), ele estava entre os representantes da aristocracia agraria “iluminada”, que contribuíram para melhorar a condição dos campesinos ainda afetados pelo analfabetismo. O Barão, assim como outras figuras, promoveu a instituição de escolas rurais ao longo das primeiras duas décadas do século XX. Dessa forma, o convite feito a Montessori teve por tentativa responder à essa demanda prática de formar professores nas zonas rurais da Itália.

Montessori aceitou o convite e o seu curso oferecido teve um total de 61 inscritos e 9 ouvintes, como é possível ver na lista a seguir:


Figura 2
Inscritos no curso de Maria Montessori, Città di Castelo.
Fonte: Montessori (1909)[7].

A partir dessa lista é possível dizer que quase em sua totalidade os participantes do curso eram da própria Itália, sendo 25, dos 70 totais, provenientes da própria Città di Castello. Isso pode indicar que, à essa época, Montessori já possuía algum reconhecimento dentro da própria Itália, mas, por outro lado, houve pouca presença de pessoas estrangeiras, o que pode ser um indício de que naquele momento pouco se falava da sua proposta em outros países ou, até mesmo, pouco era conhecida.

De todo modo, é com as experiências docentes, os estudos frutos da Casa dei Bambini que Montessori foi convidada para ministrar o curso de formação. Desse compilado de experiências que, a convite do Barão, Montessori sistematizou a sua concepção de ensino e, em 1909, publicou a Pedagogia Científica, trabalho que ficou conhecido posteriormente como “o método Montessori”.

Foi possível localizar um “livro resumo” ou “livro teste” que antecede a obra original. Na sua fase de “teste” possuía 68 páginas, considerado como versão resumida da obra (figura 2), a publicação oficial possui cerca de 300 páginas.


Figura 3
Capa do livro resumo da Pedagogia Científica
Fonte: Opera Nazionale Montessori.

Nessa versão resumida é possível identificar uma fala do Barão em agradecimento e reconhecimento ao trabalho de Montessori e que mostra como ela, a partir do seu trabalho, estava criando uma rede de reconhecimento. Fala essa que abre o curso de formação:

Tenho a honra de apresentar a Doutora Maria Montessori que veio até nós para compartilhar os frutos dos seus estudos e dos seus experimentos didáticos com os quais ela avança com um método estreitamente científico, a pedagogia de um caminho aberto pelos grandes educadores dos últimos séculos[8] (Montessori, 1909, p. 5, tradução nossa).

Essa referência à uma pedagogia com um método estreitamente científico e que foi iniciada por outros grandes educadores, ao que tudo indica, ao pensar no contexto da época, trata-se do contexto que iniciou este tópico. Dito de outro modo, trata-se do

Em particular, Maria Montessori como médica e educadora, a partir das suas obras, pôs em circulação elementos de uma vertente médico-pedagógica que tinha por base uma aproximação entre o campo da medicina e da educação. Em outras palavras, com a fundação da Casa dei Bambini e os cursos de formação lá oferecidos, Montessori cuidou de atrair os cientistas para o campo educacional e, ao mesmo tempo, proporcionar aos educadores o conhecimento acerca de características advindas da medicina (Montessori, 1965).

Nesse contexto, pouco tempo depois da publicação, Montessori passou a ganhar um reconhecimento internacional a ponto da Pedagogia Científica se tornar um Best seller nos Estados Unidos em 1912 (Campos, 2017).

Em 1913 foi realizado o primeiro Curso Internacional de Formação de Professores, em Roma. Nesse mesmo ano a obra Pedagogia Científica já tinha sido traduzida para o alemão, resultado da participação de educadores alemães nesse curso internacional e que retornaram à Itália no ano seguinte para o segundo Curso Internacional. Mas, é de 1919 o primeiro registro oficial de implementação do método montessoriano em uma escola alemã (Dott, 1931)

Em 1914, Montessori apresentou o seu método durante um Congresso Pedagógico organizado na Holanda, dois anos depois já havia as primeiras tentativas de implementação nas escolas primárias do país. A partir de idas e vindas dessa educadora à Holanda foi criada a Sociedade Holandesa Montessori, em 1917. Durante o período de 1920 a 1924 foram realizados três cursos com base no método montessoriano na Universidade de Amsterdam, mais de 600 estudiosos de toda a Holanda participaram e tal acontecimento contou com o apoio governamental holandês (Ostercamp, 1931).

Em 1915, ela foi convidada a participar da Exposição Internacional Panamá-Pacífico, em São Francisco, local destinado, principalmente, à divulgação tecnológica. Lá ela realizou uma aula demonstrativa relacionada aos seus estudos, de cerca de 15 anos, com crianças. Essa exposição ocorreu em uma sala toda em paredes de vidro, o que atraiu um número expressivo de visitantes, fato que a fez ganhar prêmios e ser convidada para ministrar cursos de formação no mesmo ano nos Estados Unidos. O que estava em discussão era o uso dos materiais de ensino e o ambiente adequado da sala de aula como um movimento de renovação pedagógica (Montessori, 2004).

Esses são alguns exemplos que mostram que em pouco tempo Montessori passou a ser conhecida não só mais na Itália. Pode-se dizer que o “boom” aconteceu logo nos cinco primeiros anos pós publicação da Pedagogia Científica. Isso reverberou em convocatórias para a realização de cursos de formação de professores com a participação de diferentes nacionalidades, o que, certamente, contribuiu para a circulação do seu método.

A exemplo disso o XVI Curso Internacional de Formação realizado de janeiro a junho de 1931, que contou com a participação de 8 italianos, 25 alemães, 5 ingleses, 4 estadunidenses, 2 australianos, 6 austríacos, 1 dinamarquês, 4 indianos, 3 holandeses, 1 polonês, 1 português, 3 russos, 3 suíços e 2 húngaros, totalizando 68 participantes e 14 nacionalidades diferentes (Montessori, 1931a)

Como afirma Oliveira (2018), em diferentes tempos históricos certamente há diferentes maneiras de divulgação da informação e, claro, os mecanismos utilizados vão configurar dinâmicas diferentes de circulação. Por certo, nesse sentido, os cursos de formação e palestras oferecidos por Maria Montessori, dentro e fora da Itália, contribuíram para a circulação do método por ela elaborado.

Método esse que ela cuidou que tinha por base respeitar as fases morfológicas e fisiológicas das crianças, contrapondo os pensamentos que tomavam a criança como um “adulto em miniatura”. Estava sendo posta uma nova forma de tratar o ensino e a formação, era necessário repensar tais elementos e romper com a antiga forma. Por isso, realizou, por exemplo, estudos acerca da mobília escolar e, assim, elaborou padrões que pudessem atender as necessidades dos alunos,

[...] mandei construir mesinhas de formas variadas, que não balançassem, e tão leves que duas crianças de quatro anos pudessem facilmente transportá-las; cadeirinhas, de palha ou de madeira, igualmente bem leves e bonitas, e que fossem uma reprodução, em miniatura, das cadeiras de adultos, mas proporcionadas às crianças (MontessorI, 1965, p. 42).

Essas características podem ser observadas nas imagens divulgadas em diferentes volumes das revistas produzidas por Montessori, como, por exemplo, na revista Vita dell’infanzia.


Figura 4
Mobília escolar de uma sala montessoriana
Fonte:Montessori (1952).

As suas publicações em revistas também são indicativos de uma maneira de fazer circular as orientações para os professores à época. A própria Montessori cuidou de salientar isso como um dos objetivos das suas revistas:

O objetivo da nossa Revista não é só de propagar um método especial para a educação. O nosso método (que – para distingui-lo de tantas outras tentativas modernas de criar novas modelos de escola – leva um nome pessoal) possibilitou a oportunidade de entender nas crianças seus aspectos morais que ainda não haviam sido observados. De outro modo, vale dizer, surgiu diante de nós ‘a figura de uma criança incompreendida’. É isso que nos move, uma ação social ativa de modo a compreender melhor a criança e agir em sua defesa; e ao reconhecimento dos seus direitos[9] (Montessori, 1931b, p. 6, tradução nossa).

De fato, a revista tinha um caráter divulgador da sua proposta, e não só isso, como esclarece a própria Montessori. Isso é possível observar a partir da análise dos sumários dos números publicados[10] e pelo o que estava posto em cada tópico, a exemplo disso temos a figura 5 a seguir.


Figura 5
Sumário da revista Montessori
Fonte: Montessori (1931a).

Assim como em outros volumes da Revista Montessori, alguns tópicos são destinados a apresentar informações acerca da circulação e divulgação do método na Itália e em outros países. Como exemplo pode-se tomar os quatro últimos tópicos do sumário: O método Montessori na Romênia, O movimento Montessoriano na Itália, Fechamento do XVI Curso Internacional Montessori. São tópicos que cuidam de falar de tentativas de implementação do método Montessori nas escolas italianas e em outros países, também apresentam resultados de nacionalidades que já haviam inserido nas escolas. O último tópico, Notiziario Montessoriano, informava aos leitores sobre ações que Montessori havia realizado ou tinha sido convidada a realizar pelo mundo, como também eventos nacionais e internacionais sobre a educação no geral, como, por exemplo, a divulgação do Seminário Internacional de Didática da Matemática Elementar que ocorreu em Genebra de 3 a 8 de março de 1952, com participação especial do prof. Jean Piaget.

CONSIDERAÇÕES

Neste artigo o objetivo foi de apresentar elementos narrativos que pudessem contribuir para melhor entender aspectos que estão relacionados à circulação de Montessori e o seu contexto de produção de saberes nas primeiras décadas do século XX, tendo em vista que essa é uma ponta solta na produção do trabalho maior que a tese doutoral.

Diante do que foi apresentado é possível dizer que a sistematização da proposta de Montessori na forma escrita contribuiu para a divulgação do seu método, haja vista o “boom” pós publicação da Pedagogia Científica e das produções de números de revistas por ela organizados. Mas, vale dizer, que os cursos de formação de professores ganharam, também, papel importante para a circulação do seu método.

A partir desse conjunto, ao que parece, Montessori, a convite de chefes de estado, pôs em circulação para a formação de professores respostas às demandas exigidas à época para diferentes nacionalidades. Era preciso implementar “um novo modo de ensinar”, de formar professores, de entender as crianças que até então pareciam incompreensíveis. Nesse contexto Montessori desenvolveu um método baseado na liberdade da criança, mobiliário adequado, artefatos escolares e todo um conjunto de aspectos que possibilitassem o indivíduo agir como um ser ativo.

Elementos esses resultantes das experiências de Montessori como docente e a sua formação em medicina, que caracterizaram uma mudança para uma vertente médico-pedagógica com base na pedagogia cientifica que promoveu estudos e publicações voltados para a melhoria da formação de professores e para o ensino dentro e fora da Itália. De outro modo, pode-se considerar Montessori como "mediadora" da articulação entre campo disciplinar e ciências da educação para a formar professores. O produto dessa articulação é o saber por ela produzido, objetivado, isto é, passível de ser trabalhado/apropriado na formação, em particular, destaca-se a obra Pedagogia Científica.

Por sua vez, as convocatórias a Montessori feitas por parte do Estado, diante do exposto, podem ser consideradas como reconhecimento de uma expertise para responder à uma demanda prática. Dito isso, parece ser possível considerar a seguinte relação: sujeito que produz e objetiva saberes na formação e/ou no ensino, ocupando uma cadeira, cargo ou posto a serviço do estado, então, expert em educação. Haja vista que o sujeito estaria em um âmbito chancelado pelo Estado para a produção de novos saberes, de uma nova expertise, cuja finalidade seria responder uma demanda educacional a serviço do estado, que a oficializa.

Por fim, cabe dizer que na tese em si o ponto de partida é a análise dos saberes produzidos por Maria Montessori relacionados à formação de professores de matemática nos primeiros anos escolares. Entretanto, por se tratar de uma pesquisa histórica, com filiação a História Cultural, elementos que circundam o objetivo principal são importantes para um entendimento acerca do objeto de pesquisa. E que é de ciência a necessidade de aprofundamento sobre o itinerário de Montessori como professora, bem como as escolhas por ela feitas para um “novo” modo de tratar o ensino e a formação, entretanto, a opção foi por problematizar neste artigo elementos que possam contribuir para melhor tratar o reconhecimento acerca da circulação do método montessoriano, como as convocatórias do estado, as revistas publicadas, cursos de formação de professores e obras produzidas e reconhecidas.

Agradecimentos

Este trabalho está vinculado a tese em desenvolvimento “Maria Montessori e o saber profissional do professor que ensina matemática (1930)” e conta com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo/FAPESP (processo 2018/08760-8).

REFERÊNCIAS

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Tornar, C (2007). La pedagogia di Maria Montessori tra teoria e azione. Milano/Italia: Franco Angeli.

Notas

[1] Doutorando do Programa de Pós-graduação em Educação e Saúde da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, Guarulhos, São Paulo, Brasil. Bolsista FAPESP (processo 2018/08760-8). Endereço para correspondência: Avenida São João, n. 1459, Santa Cecília, São Paulo-Brasil. CEP: 01211-100. E-mail: alan_ufs@hotmail.com
[2] Professor doutor em Educação, titular em História da Educação na Universitá degli Studi del Molise, Itália – Dipartamento di Scienze Umanistiche, Sociali e della Formazione. Endereço para correspondência: Via F. de Sanctis, Campobasso, Campobasso-Itália, Caixa-Postal: 86100. E-mail: alberto.barausse64@gmail.com
[3] A tese tem por título “Maria Montessori e o saber profissional do professor que ensina matemática (1930)” sob a orientação do Prof. Dr. Wagner Rodrigues Valente; o trabalho conta com o financiamento da FAPESP (processo 2018/08760-8) e está vinculado a um projeto maior intitulado “A matemática na formação e no ensino: processos e dinâmicas de produção de um saber profissional, 1890-1990”, com o apoio financeiro da FAPESP (processo 2017/15751-2), coordenado pelo prof. Dr. Wagner Rodrigues Valente.
[5] Realizado no período de outubro de 2019 a fevereiro de 2020.
[6] Nascido em Messina em 1841. Iniciou como professor na escola técnica de Noto e, em 1870, como professor de filosofia no Liceu de Messina, Bevenento e Milão. Foi nos anos setenta o seu interesse pela psicologia que refletiu na publicação Principi di psicologia sulla base dele scienze sperimentali (Messina, 1873-1874). Nos anos seguintes se dedicou aos estudos da antropologia e psicologia (Bambini; Lama, 2000).
[7] Lista extraída do livro resumo da obra Pedagogia Científica, localizado na Biblioteca Nazionale Centrale di Firenze, Firenze, Itália. Entretanto, duas páginas do material estavam coladas, elas correspondem à capa do livro e a página que contém a foto de parte dos integrantes do curso oferecido por Montessori. As páginas restantes foram encontradas junto à Opera Nazionale Montessori, em Roma.
[8] No original: Ho l'onore di presentare la Dottoressa Maria la quale è venuta fra di noi per parteciparci i frutti degli studi e degli esperimenti didattici coi quali essa fa progredire con metodo estrettamente scientifico, la pedagogia sulla via aperta dai grandi educatori degli ultimi secoli.
[9] No original: Lo scopo della nostra Rivista non è soltanto quello di propagare uno speciale metodo di educazione. Il nostro metodo (che – per distinguerlo dai tanti altri tentativi moderni di creare nuove forme di scuola – porta un nome personale) há dato l’occasione di comprendere nei bambini dei caratteri morali che non erano stati oservati. Vale a dire, è sorta dinanzi a noi <>. Questo è ciò che ci spinge a un’azione sociale ativa per fare comprendere meglio il bambino e per operare ala sua difesa; e al riconoscimento dei suoi diritti.
[10] Não foi possível localizar uma revista Montessori com a capa original, por isso não foi apresentada uma capa neste texto.

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